Sermo in solemnitate exteriori Ss. Apostolorum Petri et Pauli

Bethlehem a Brasilia, 28 junii A.D. 2020

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

Crer na Igreja em espírito e verdade: princípios para os tempos de crise

Ave Maria.

Divino Menino Jesus.

Nossa Senhora do Carmo.

São José.

Santo Antônio de Lisboa.

São Pedro e São Paulo.

Caros fiéis, neste IV domingo após Pentecostes solenizamos a festa que será celebrada propriamente amanhã, a festa dos Santos apóstolos Pedro e Paulo, para o maior proveito espiritual dos fiéis, como assim permite a Igreja. A festa dos apóstolos que trabalharam até o derramamento do sangue pela edificação da igreja de Roma, isto é, pela Diocese de Roma, torna esta mesma igreja a mais insigne, a mais ilustre, a mais nobre das igrejas de toda a Cristandade. Como diz o belo hino do ofício das Vésperas: “Ó Roma beata, que pelo glorioso sangue/ de dois Príncipes foste consagrada;/ pelo martírio de ambos purpurada,/ sozinha excedes as demais belezas do mundo.”

Não podemos ser católicos, caros fiéis, sem crer que a Igreja católica é a Igreja de Cristo—a única Igreja de Cristo—, que Nosso Senhor desposou no Sacrifício da Cruz, adquirindo-nos com o Seu preciosíssimo Sangue do cativeiro do demônio para fazer de nós Seus eleitos, membros do Seu rebanho. Não podemos ser católicos sem crer que a Diocese de Roma é a Sede do Vigário de Cristo e Sucessor de Pedro, o Papa, razão pela qual a Igreja de Cristo é e sempre será romana, porque aquele que ocupa o posto de Chefe universal da Igreja é necessariamente Bispo de Roma, sem separação de ofícios, como insinuam certas teorias atuais—sem nenhum fundamento teológico—, na tentativa de dividir o Papado entre o Papa reinante Francisco e o seu antecessor Bento XVI, como se fosse possível que o Chefe da Igreja e o Bispo de Roma sejam dois Bispos distintos. De fato, não é possível que haja separação entre o Papado e a Sé Romana, porque Deus mesmo quis que Roma fosse a Sé inamovível do Vigário de Cristo; o que significa que uma das notas essenciais da Igreja católica é ser romana. Pois se o Bispo de Roma fosse outro que o Papa, então a Igreja deixaria de ser romana, o que é herético.

Também não podemos ser católicos sem crer que há um único Papado, isto é, que não há duas funções do Papado ocupado uma pelo Papa reinante Francisco e outra pelo seu antecessor Bento XVI. Eis aqui outra teoria sem nenhum fundamento teológico, que divide o Papado sem perceber que a unidade do Papado deriva da unidade d’Aquele de Quem o Papa é Vigário, isto é, Nosso Senhor. Há um só Chefe e fundador da Igreja, Jesus Cristo, e por isso há um só Vigário e fundamento visível, o Papa. Não podemos dividir o Papado em função ativa e função espiritual, como alguns fazem, porque a revolução de Lutero consistiu justamente em dividir os sujeitos do Papado, investindo cada cristão da autoridade de interpretar as Sagradas Escrituras por uma iluminação individual. Lutero também, caros fiéis, dividiu o Papado, pretendendo que a Igreja fosse uma democracia, em que todos têm o mesmo poder supremo.

Pois a Igreja católica, caros fiéis, não é uma diarquia de dois Papas nem uma democracia luterana em que cada um é como o Papa; a Igreja católica é uma monarquia. A Igreja católica é uma monarquia porque Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei; Rei por natureza, porque é Deus, com o Pai e o Espírito Santo; Rei por conquista porque pelo Seu Sacrifício na Cruz mereceu o domínio sobre o gênero humano e toda a Criação. O “Reino de Deus” é o coração da pregação de Nosso Senhor, o que não faria sentido se a Igreja não fosse monárquica, porque todo Reino possui um Rei. Pois a Igreja é o Reino de Deus, ou melhor, o último estágio do Reino de Deus sobre a terra desde a Antiga Aliança. Isso significa que, se a Igreja é um Reino e se Nosso Senhor é Rei, o Seu Vigário na terra deve governar como um Rei, na medida em que recebe de Nosso Senhor a plenitude do poder espiritual.

Afinal, caros fiéis, quando Nosso Senhor disse a São Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo. XXI, 17), isso quer dizer que mesmo os demais apóstolos estão debaixo desta autoridade conferida ao Vigário de Cristo. Todos nós, desde os batizados até os membros da Hierarquia, todos nós somos ovelhas do rebanho de Nosso Senhor, que Ele confiou ao Seu Vigário na terra, o Papa. Ainda que o Papa e os Bispos sejam iguais quanto à plenitude do Sacramento da Ordem, por causa do ministério episcopal, o Papa possui uma dignidade distinta, isto é, a plenitude do poder de magistério e de governo. Somente o Papa pode definir infalivelmente em matéria de Fé e de Moral, e somente o Papa possui a autoridade suprema sobre todos os membros da Igreja.

Mas apesar de a Igreja ser uma monarquia e não uma democracia, a constituição monárquica da Igreja não é pura, mas mista. Em outras palavras, o Papa não governa sozinho a Igreja universal, porque cada Bispo diocesano participa do poder supremo do Papa pela jurisdição que recebe dele sobre a sua própria Diocese. Nosso Senhor assim constituiu a Igreja quando investiu o apóstolo Pedro da autoridade suprema, fazendo dele o Seu Vigário, mas compondo também um colégio formado pelos demais apóstolos, que, em união e subordinação ao Chefe supremo da Igreja, governam adequadamente toda a extensão da terra. Por esta razão, São Pedro diz na sua epístola: “Eis a exortação que dirijo aos anciãos que estão entre vós; porque sou ancião como eles […]: Velai sobre o rebanho de Deus, que vos é confiado, […] não como dominadores das igrejas, mas como modelos do vosso rebanho.” (I Pd. V, 1-3) Quando São Pedro se dirige aos anciãos, declarando que também é ancião, ele se refere à graça do episcopado, que é comum entre ele e os demais. Por outro lado, como Chefe supremo da Igreja, ele acrescenta: “velai sobre o rebanho de Deus, que vos é confiado”, porque o poder de governar as igrejas particulares, isto é, as Dioceses, é um poder participado, que cada Bispo diocesano recebe do Papa. Enquanto São Paulo escreve duas epístolas para instruir e aconselhar o jovem Bispo São Timóteo, porque era seu filho espiritual, somente alguém com a autoridade suprema sobre a Igreja poderia instruir os anciãos de todas as igrejas particulares a quem dirige a sua epístola, como faz São Pedro.

Nosso Senhor governa o Seu rebanho por meio da Hierarquia sagrada porque isto é mais conforme à nossa natureza humana e mais meritório para a virtude da Fé. É mais conforme à nossa natureza humana porque o poder espiritual da Igreja sobre as nossas almas é semelhante ao poder das autoridades temporais sobre os nossos corpos, seja a autoridade dos pais, seja a autoridade dos governantes. A constituição hierárquica da Igreja e o seu poder espiritual não são, portanto, uma “novidade”, algo de exótico e imprevisto. O que é exótico é a “democracia” das seitas protestantes, sendo que o próprio Adão, no Paraíso terrestre, era, de certo modo, sacerdote, na medida em que deveria oferecer o sacrifício do fruto proibido como culto a Deus; sendo também que em todo o Antigo Testamento, Deus constituiu alguns homens para conduzirem o povo eleito com autoridade sacerdotal e profética. O que é exótico não é a constituição hierárquica da Igreja, porque é o mais conforme à nossa natureza.

A constituição hierárquica da Igreja é, por fim, mais meritório para a virtude da Fé, porque os sagrados Pastores governam revestidos da autoridade do próprio Salvador. Nós não vemos Nosso Senhor consagrando a Hóstia, absolvendo os pecados, ensinando magisterialmente ou nomeando o Pastor de cada Diocese; mas cremos firmemente que todo o poder legitimamente exercido pelos legítimos Pastores é um poder recebido do Céu.

Por outro lado, caros fiéis, a Fé que depositamos na origem divina do poder eclesiástico, do poder de santificar, ensinar e governar, a Fé que depositamos na origem divina do poder eclesiástico não impede as misérias pessoais dos membros da Hierarquia sagrada, assim como certos erros pessoais no exercício deste poder. Afinal, pode ocorrer que um sacerdote absolva invalidamente, porque cometeu um erro substancial na fórmula do Sacramento da Penitência; pode ocorrer que o Papa, sozinho ou em comunhão com os Bispos em Concílio, seja passível de correção no exercício do Magistério autêntico; ou então pode ocorrer que uma certa nomeação, ainda que legítima, seja danosa ao rebanho, quando deveria servir para a sua santificação.

Mesmo quando há pecados pessoais ou erros no exercício do poder, Nosso Senhor Se serve de uma má Hierarquia para a nossa salvação. Isso porque os pecados dos membros da Hierarquia sagrada servem de castigo aos pecados e à infidelidade das ovelhas. Como ensina Santo Agostinho: “Que nunca nos falte bons pastores, que nunca nos falte; que nunca falte à Sua misericórdia [divina] que nos sejam gerados e constituídos [bons pastores]. Com efeito, se há boas ovelhas, há também bons pastores, pois é das boas ovelhas que procedem os bons pastores.” (Sermo 46, 30) De fato, caros fiéis, o estado dos governantes de um povo, especialmente o seu Clero, é imagem do estado do próprio povo. Tais governantes, tal povo. Por esta razão, nunca devemos nos exceder em críticas e murmurações contra o Clero simplesmente porque é ineficaz, na medida em que o estado decadente de um certo Clero serve de castigo para um certo povo, o que não pode ser resolvido de modo algum pela indignação, críticas ou murmurações. Se constatamos o estado decadente de um certo Clero, isso deve nos comover de compaixão tanto pelo Clero quanto pelo povo que padece a vergonha de ser dirigido por ele. Por outro lado, a ira e a murmuração são tentações do demônio, que devemos combater vigorosamente, porque a constatação dos pecados de um certo Clero deve ser o mais forte apelo à conversão daquele povo. Se o povo se converter, Nosso Senhor enviará pastores conforme o Seu Coração, assim como quem é fiel nas pequenas coisas recebe o encargo das maiores.

Além disso, mesmo os erros pessoais da Hierarquia sagrada especialmente no exercício do poder de ensinar servem para o nosso bem, porque, como aprendemos de São Paulo na epístola aos Coríntios: “É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos.” (I Cor. XI, 19) Os “partidos”, no original grego, escreve-se “heresia”, porque quem escolhe as próprias verdades de Fé funda um “partido” e se separa do Corpo Místico de Cristo. Quando São Paulo diz que “é necessário que entre vós haja partidos”, ele quer dizer que as heresias são a condição para que a virtude de muitos possa se aperfeiçoar. Em outras palavras, não existe heresia que não tenha produzido Santos e grandes Santos, assim como a Igreja não alcança grandes triunfos sem superar grandes crises. O que significa, mais uma vez, que não devemos nos irar e murmurar contra aqueles membros da Hierarquia que não são fiéis ao Credo da Igreja, à Moral da Igreja ou à Tradição da Igreja. Eles não passam de instrumentos permitidos pela Providência para produzir um bem maior, que são os Santos. É por causa dos Santos que a Providência permite que a Igreja atravesse crises; e nenhuma crise foi superada senão por santos pastores, cuja santidade obteve o triunfo da verdade; porque a verdade, sem a caridade, não penetra os corações. As crises servem para que a verdade reencontre a caridade, e a caridade, por sua vez, faça triunfar a verdade.

Por esta razão, caros fiéis, devemos nos apegar à Hierarquia da Igreja especialmente nos tempos de crise. Infelizmente muitos fazem o movimento contrário: nos tempos de crise, desapegam-se da Hierarquia, julgando, por exemplo, que mesmo os sacerdotes bem intencionados sofrem de grande ignorância, seja em Teologia, seja nas demais ciências eclesiásticas. Deste modo, muitos procuram os sacerdotes bem intencionados para frequentar as suas filas de Confissão e de Comunhão, mas não têm uma verdadeira confiança em seu ensinamento. Não lhes pedem conselho, não lhes pedem a direção espiritual, não põem à prova as próprias idéias consultando o juízo de tais sacerdotes, e assim o ministério sacerdotal se reduz, com o perdão da expressão, a uma mera “fábrica de Sacramentos”: porque os Sacramentos, quando são celebrados lícita e validamente, vêm de Deus, enquanto o ensinamento do sacerdote frequentemente não passa da sua opinião privada, onde é possível encontrar erros.

Pelo contrário, caros fiéis, é especialmente nos tempos de crise que devemos nos apegar à Hierarquia da Igreja. Não é possível que aquele artigo do Credo católico: “Creio na Igreja” seja válido apenas em tempos pacíficos, sendo que é nos tempos conturbados que mais precisamos crer na Igreja, apesar dos pecados e dos erros de tantos Pastores. “Crer na Igreja” não consiste apenas em crer “abstratamente” nos artigos da Fé da Igreja; “crer na Igreja” consiste também em crer que a sua constituição hierárquica não é acidental, não é um ornamento facultativo, mas a sua própria natureza, necessária especialmente nos tempos de crise, porque nenhuma crise será vencida sem a atuação da Hierarquia.

Portanto, caros fiéis, trata-se um erro revolucionário aquela idéia difundida em ambientes ditos católicos que os leigos são “a salvação da Igreja”, que a salvação da Igreja depende da ação dos leigos. Nada mais revolucionário. Primeiramente, porque nenhum leigo irá salvar a Igreja; é a Igreja que nos salva. Em segundo lugar, porque não são os protestos e os manifestos dos leigos, isto é, a sua ação, que livrará a Igreja das heresias dos maus pastores, e sim, a sua conversão. Não a sua mera ação—ainda que seja a difusão da boa doutrina—, mas principalmente a sua vida interior. E o que o fervor dos leigos obtém da Providência é justamente novas gerações de bons pastores, o que significa que o triunfo de uma crise se dá sempre pela renovação dos membros da Hierarquia, e não em detrimento da Hierarquia, como pretendem alguns católicos, que sofrem ou do ativismo ou do intelectualismo.

Por esta razão, é especialmente nos tempos de crise que devemos crer na Igreja, rezando pela Hierarquia e cobrindo as misérias dos sacerdotes que apenas redundam no descrédito da própria Igreja. O que devemos denunciar é o erro contra a Fé, mas evitando de expôr publicamente certos erros que não ameaçam o bem comum. Por exemplo, certas entrevistas ou declarações escandalosas frequentemente merecem ser esquecidas, não difundidas a título de “denúncia”. Na verdade, há católicos que encontram uma espécie de prazer em pôr a público os erros e principalmente as misérias morais dos membros da Hierarquia. Por exemplo, a difusão de vídeos com trechos de Missas em que há abusos litúrgicos ou situações desagradáveis frequentemente não redunda em nenhum bem para a Igreja ou para as almas. Enquanto Deus é ofendido, nós tragicamente rimos. Ademais, na difusão de tais vídeos, pode haver o escândalo dos pequenos. “Crer na Igreja”, caros fiéis, consiste em cobrir frequentemente as misérias morais dos sacerdotes, para evitar tanto o escândalo dos pequenos quanto a nossa própria vaidade. Exercendo misericórdia para com os maus sacerdotes, iremos obter da Providência que envie-nos bons sacerdotes.

Por fim, devemos “crer na Igreja” admitindo que, se Nosso Senhor a constituiu hierárquica, se Nosso Senhor instituiu os pastores para que nos conduzam pelo difícil caminho que leva à porta estreita da salvação, o trabalho apostólico dos leigos, então, consiste sobretudo em aderir aos ensinamentos dos bons pastores. Não em procurar os sacerdotes apenas para receber os Sacramentos, mas aderir efetivamente aos seus ensinamentos, porque tudo o que um sacerdote diz em união ao ensinamento constante da Igreja, ele o diz revestido da autoridade do próprio Deus. Não basta apenas crer nos ensinamentos infalíveis; é preciso ter a humildade de submeter-se aos ensinamentos dos sacerdotes que ensinam em união ao ensinamento constante da Igreja, porque aí também se encontra a autoridade de Deus. Infelizmente, durante o período da quarentena, assistimos o oposto: muitos católicos confiando em frases de efeito, em frases e argumentos fora de contexto, em slogans, em lives de leigos católicos sem autoridade em Teologia, em entrevistas e reportagens em que os princípios de Teologia estão confusamente expostos—ainda que o entrevistado seja um alto membro da Hierarquia, etc. Os católicos confiaram em tudo, confiaram sobretudo na opinião própria e naqueles que concordavam com a opinião própria, mas se fizeram surdos com relação ao ensinamento dos bons pastores, que procuraram ensinar em conformidade ao ensinamento constante da Igreja. Deste modo, muitos católicos pretenderam trabalhar pela Igreja em detrimento da Hierarquia, e este espírito não é católico, mas protestante.

Cabe-nos, caros fiéis, nesta festa de São Pedro e São Paulo, “crer na Igreja” em espírito e verdade, obedecendo, com humildade e docilidade, aos ensinamentos dos bons sacerdotes, rezando pela Hierarquia sagrada e cobrindo muitas misérias dos maus pastores, porque não somos nós que salvaremos a Igreja, mas a Igreja que nos salvará, por meio de santos pastores.