Sermo in dominica infra octavam Corporis Christi

Bethlehem a Brasilia, 14 junii A.D. 2020

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

Tirar lições da quarentena

Ave Maria.

Divino Menino Jesus.

Nossa Senhora do Carmo.

São José.

Santo Antônio de Lisboa.

Caros fiéis, já estamos no II domingo após Pentecostes, o domingo subsequente à festa de Corpus Christi. Para nós, também é o segundo domingo em que a Providência permitiu o retorno dos fiéis à Casa de Deus para a Santa Missa, ainda que com tantas limitações. Nosso Senhor não abrandou o Seu castigo a fim de retornarmos à vida ordinária sem ter aprendido nenhuma lição deste período de confinamento e de suspensão do culto de Deus com presença dos fiéis. Se a sociedade já pode respirar mais aliviada, crendo que o pior já passou e que dias melhores virão, no entanto, não podemos perder de vista que todo castigo serve para a nossa edificação e salvação; o castigo sempre provém da mão amorosa de Deus, que prefere castigar do que condenar. Devemos, portanto, tirar lições do período de confinamento e lições do flagelo da peste, para que o retorno à vida ordinária não seja o retorno aos vícios e aos pecados que mereceram o castigo. Em resumo, precisamos tomar para nós aquelas palavras que o Salvador dirigiu ao enfermo que jazia próximo ao tanque de Betesda: “Eis que ficaste são; já não peques, para não te acontecer coisa pior.” (Jo. V, 14) Sim, caros fiéis, se não queremos que a mão de Deus pese ainda mais sobre nós, façamos guerra aos nossos vícios e pecados.

A principal lição que devemos tirar do período de confinamento é que, inúmeras vezes ao longo da vida, nós havíamos desejado a fuga dos nossos deveres de estado, por causa do cansaço físico, do desgaste mental e da dificuldade em conciliar a vida de oração com a quantidade de deveres. Inúmeras vezes pensamos em como seria bom se não tivéssemos tantos deveres a cumprir, tantas coisas a fazer. Atribulados com os afazeres da vida ordinária, nós imaginamos como seria bom uma vida menos agitada, nós imaginamos um tempo todo dedicado à vida de oração, à vida de leitura e de estudo, nós imaginamos um tempo em que poderíamos pôr ordem na casa e mesmo na própria vida. Pois este tempo livre foi dado a muitos de nós durante o período de confinamento; o período de confinamento foi, para muitos, um tempo livre. E o que fizemos frequentemente com este tempo livre? Fizemos o contrário dos nossos sonhos: não empregamos o tempo livre para rezar mais, ler mais, estudar mais e pôr ordem desde a casa em que moramos até os projetos de nossa vida. Nós imaginamos que, se tivéssemos tempo livre, faríamos bom uso dele. Mas assim como somos ingratos a respeito da nossa vida e dos nossos deveres, também fomos ingratos durante o período de confinamento, caindo no desânimo, na preguiça e na tristeza desordenada.

A principal lição que devemos tirar, então, caros fiéis, é que a quarentena revelou que a nossa pouca vida de oração e de estudo não depende apenas do tempo; depende principalmente da disposição da vontade. A quarentena escancarou-nos a fraqueza da nossa vontade e o quanto os aparelhos eletrônicos—que há anos já são parte de nossa vida—, assim como as redes sociais estimulam sem cessar os nossos sentidos e a nossa imaginação e enfraquecem a nossa vontade. Devemos humildemente reconhecer que a indisposição para os deveres, para a vida de oração e de estudo são efeitos desta longa exposição aos eletrônicos e ao uso imoderado da internet, especialmente das redes sociais, que não apenas estimulam os sentidos e a imaginação, como também são os grandes responsáveis por uma ansiedade e frustração crescente na sociedade. Afinal, o imediatismo da internet, unido à estimulação dos sentidos, torna o seu usuário dependente sempre de novas descargas de sensações, de modo que a vida ordinária e o mundo real não parecem ter o mesmo interesse, o mesmo fascínio que o virtual. A quarentena escancarou-nos que mesmo os católicos que procuram usar honestamente as redes sociais também foram enlaçados pela dependência do virtual. Se antes alguém tinha alguma dúvida, agora, porém, estamos todos convencidos que os eletrônicos e as redes sociais pouco a pouco corroem e enfraquecem a nossa vontade, mesmo quando um usuário consome unicamente conteúdos honestos e católicos.

E na medida em que corroem e enfraquecem a nossa vontade, estimulando os sentidos e a imaginação, a exposição excessiva à internet torna-nos pouco a pouco passionais, isto é, pessoas movidas pelas paixões, pelos afetos. A lógica interna das redes sociais não inclina o usuário à reflexão, à consideração atenta e aprofundada das coisas. Pelo contrário, as ferramentas virtuais e as redes sociais foram fabricadas de modo a não permitir a primazia da inteligência, mas a primazia das paixões. Ainda que haja tantos conteúdos disponíveis na internet para a vida de estudo, ainda que tantas conversões tenham ocorrido por meio da internet, isto não impede que o imediatismo e a superabundância de informações sejam a pedra de tropeço durante o estudo por meio de eletrônicos, porque é mais difícil perseverar na leitura de uma matéria ou de um livro quando somos solicitados continuamente por tantas notificações. Em suma, como as redes sociais e a própria internet trabalham por meio da estimulação dos sentidos, movendo as paixões e diminuindo a reflexão, a consequência prática é que o mundo virtual prejudica especialmente o exercício da virtude da prudência.

De fato, a prudência é especialmente prejudicada pelo mundo virtual porque, enquanto a prudência exige o conselho, isto é, que alguém tome conselho, que procure averiguar e investigar quais são os meios honestos que tem à sua disposição para executar uma certa ação, o mundo virtual, por sua vez, inclina os usuários à precipitação, defeito contrário ao conselho. A estimulação dos sentidos na internet, caros fiéis, produz precipitação, produz indivíduos que não se importam em averiguar a veracidade das notícias, que não se importam em separar aquilo que é importante do que não é importante, o que é confiável do que não é confiável, o que sério do que não é sério, e assim por diante.

Em segundo lugar, a prudência é especialmente prejudicada pelo mundo virtual porque, enquanto a prudência exige o juízo, isto é, que alguém eleja, escolha o meio mais adequado para executar uma certa ação—dentre os meios honestos que tem à sua disposição—, o mundo virtual, por sua vez, inclina os usuários à inconsideração, defeito contrário ao juízo. A estimulação dos sentidos na internet produz inconsideração, produz indivíduos obstinados na opinião própria, cegos pelas paixões, incapazes de eleger o que mais convém a partir da luz da razão.

Por fim, a prudência é especialmente prejudicada pelo mundo virtual porque, enquanto a prudência exige o comando, isto é, o império, a ordem da razão a fim que uma certa ação seja executada pelo meio mais adequado—dentre os meios honestos que tem à sua disposição—, o mundo virtual, por sua vez, inclina os usuários à inconstância, defeito contrário ao comando. A estimulação dos sentidos na internet produz inconstância, produz indivíduos passionais, que hoje querem isso, amanhã querem aquilo; hoje estão indignados, amanhã estarão contentes, vivendo num fluxo de inconstância sobre o que querem e o que não querem, vivendo uma vida que, em suma, não tem consistência.

Dito isso, caros fiéis, é preciso saber que a precipitação, a inconsideração e a inconstância não são apenas defeitos contrários à virtude da prudência, mas são também filhas da luxúria, como ensina Santo Tomás. Ou seja, assim como o pecado da impureza é descrito por Santo Isidoro como um espécie de excesso que dissolve o pecador, porque rapta o pecador do domínio de si, fazendo-o aderir com grande veemência ao objeto do pecado, como que dissolvendo-o no pecado, do mesmo modo, o vício pelo mundo virtual possui algo de luxurioso, na medida em que somos expostos a um excesso de estímulos visuais e sonoros que arrastam as paixões em todas as direções. Não é mera coincidência, portanto, que o uso imoderado da internet comporte-se à semelhança do vício da luxúria, porque em ambos os casos, ainda que em graus diversos, o excesso de estímulos cega a inteligência e impede-a de agir com retidão.

O período de quarentena não apenas escancarou-nos a dependência dos eletrônicos, o vício pelo mundo virtual, mas também afundou muitos católicos na precipitação, na inconsideração e na inconstância. Isso se verifica especialmente na multiplicação de conteúdos banais e tolos, que tornaram o uso da internet praticamente um passatempo sem fim, em detrimento dos deveres de estado, especialmente a oração. Isso se verifica principalmente pelo acirramento das disputas ideológicas e debates partidários sobre os mais diversos assuntos, sobretudo as questões políticas.

Afinal, caros fiéis, é preciso que nós católicos façamos uso inteligente, ordenado, virtuoso do mundo virtual e das redes sociais, o que significa que devemos pôr fim naquela avalanche de publicações banais e na exposição desnecessária da própria vida. Isso não apenas é perda de tempo, mas é dar ocasião para os outros perderem tempo. Mesmo a publicação de conteúdos piedosos deveria ter limites, porque mais vale fazer a leitura continuada de um livro espiritual do que visualizar diariamente inúmeras imagens piedosas e frases piedosas que não recebem de nossa parte uma atenção profunda como teria a leitura espiritual, e por isso estarão fadadas ao esquecimento. O uso virtuoso do mundo virtual, caros fiéis, é o uso moderado, que procura publicar somente o que for consistente, não o que for fútil, sentimental, passageiro. As moças, especialmente, não devem fazer das redes sociais seu “diário virtual”, isto é, não deveriam dar a conhecer sua vida particular a todos e tampouco dar a conhecer a variedade dos sentimentos ao longo do dia ou da semana. O uso virtuoso do mundo virtual é o uso moderado, que procura a consistência do bem, e não a transitoriedade das sensações.

Além disso, é preciso que os católicos cessem de tomar partido a respeito do que não sabem e não têm competência para saber, e a respeito do que é secundário. É mais humilde e mais prudente. Pelo contrário, é a inteligência leviana, movida pela precipitação, que irá republicar e compartilhar toda e qualquer notícia sem estar seguro da sua confiabilidade. Quem muito teme as falsas notícias, se não faz um uso prudente da internet, irá apenas descartar as falsas notícias que desagradam as suas paixões para aderir cegamente às falsas notícias que são do gosto das suas paixões. O que muitos chamam de “verdade”, não passa da opinião que lhes apraz, porque lêem notícias a respeito de questões complexas sem ter uma formação intelectual adequada naquela matéria ou uma estrutura de pensamento apta para discernir se aquilo é provável, se é verificável, se é fidedigno.

Em suma, caros fiéis, agora que retornamos pouco a pouco às nossas atividades ordinárias, esperando de Nosso Senhor a graça de ver dias melhores, tiremos lições do período de confinamento, que apenas acelerou e escancarou o quanto podemos estar viciados pelo mundo virtual, e o quanto este vício é danoso à vida espiritual. Como ensina Santo Inácio de Loyola nos exercícios espirituais: “O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para que é criado. Donde se segue que o homem tanto há-de usar delas quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas, quanto disso o impedem.” O homem é criado para ordenar a sua sensibilidade e as suas paixões às atividades superiores, e não há nada de mais superior que o amor a Deus. Se o mundo virtual tem algo a contribuir para o amor a Deus, devemos nos servir dele; mas se corrompe a nossa vontade, estimulando a sensibilidade, movendo desordenadamente as paixões e diminuindo a reflexão, ele já se tornou uma ameaça à nossa salvação.