Sermo in festo Corporis Christi

Bethlehem a Brasilia, 11 junii A.D. 2020

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

A ruminação da Eucaristia, luz para a inteligência

Ave Maria.

Divino Menino Jesus.

Nossa Senhora do Carmo.

São José.

Santo Antônio de Lisboa.

Caros fiéis, a festa do Corpo de Deus, foi instituída, no século XIII, para glorificar o Sacramento do Amor, o Sacramento da presença real de Nosso Senhor com uma alegria plena, porque a alegria da instituição da Eucaristia, na Quinta-feira Santa, é eclipsada pela prisão de Nosso Senhor e o início da Sua cruentíssima Paixão. Na Quinta-feira Santa, a dor e a tristeza da Paixão eclipsam a consolação e a alegria da Eucaristia; na festa do Corpo de Deus, porém, a alegria é plena. Podemos dizer que hoje é o triunfo da Eucaristia, o triunfo do Amor de Nosso Senhor: triunfo porque Nosso Senhor Se dá inteiro neste Sacramento e não cessa de dar-Se a nós neste Sacramento desde a sua instituição, apesar de tantas indiferenças, esquecimentos e traições. Hoje especialmente, após mais de dois meses de suspensão da presença dos fiéis na Liturgia, celebramos o triunfo da Eucaristia: Deus vence, o Amor de Deus vence, porque é maior que o nosso pecado e maior que o castigo.

Não temos dúvidas, caros fiéis, que Nosso Senhor está real, verdadeira e substancialmente presente na Eucaristia, que sob as aparências de pão e de vinho está a Pessoa de Jesus Cristo, filho da Santíssima Virgem segundo a natureza humana e Filho de Deus segundo a natureza divina. Não temos dúvidas desta verdade de Fé; felizmente, nesta igreja, nenhum daqueles que me ouvem duvida desta verdade de Fé. Mas a Fé, caros fiéis, admite graus de intensidade. A Fé pode ser mais profunda ou menos profunda. E o infeliz testemunho de que temos pouca Fé é o pouco efeito que a Santíssima Eucaristia produz em nossa vida espiritual.

Para provar o meu argumento, não é necessário entrar na intimidade da consciência de cada comungante; basta constatar que a Santíssima Eucaristia frequentemente passa por nós sem produz um efeito mais duradouro e mais profundo na prática das virtudes. Infelizmente, caros fiéis, a Eucaristia frequentemente passa por nós; as flores das boas intenções, que oferecemos a Nosso Senhor, durante a Comunhão, são logo levadas pelo vendaval das nossas paixões desordenadas, pelo espírito do mundo ou pelas tentações. No altar do nosso coração, depositamos flores, as flores das boas intenções, mas porque são flores sem raiz, isto é, são bons sentimentos, bons afetos sem a firmeza da vontade, qualquer contrariedade pode roubá-los de nós.

Precisamos, portanto, ir à causa do pouco fruto das nossas Comunhões; precisamos examinar mais atentamente por que recebemos Nosso Senhor no Sacramento e ainda assim parecemos não crescer solidamente na união com Deus; por que recebemos o Coração de Jesus na Eucaristia, “fornalha ardente de caridade”, e ainda assim somos tão tíbios; por que recebemos este Sacramento tão ardentemente desejado por Nosso Senhor e ainda assim somos tão inconstantes e instáveis na vida espiritual.

Primeiramente, caros fiéis, se a Fé nos ensina que Nosso Senhor está presente na Eucaristia, isso não quer dizer que o Sacramento irá nos mudar se nós não quisermos mudar. A presença de Deus e o poder de Deus não excluem a nossa cooperação na união com Deus. No  milagre das Bodas de Caná, por exemplo, Nosso Senhor não transformou a água em vinho sem antes pedir aos serviçais que enchessem as talhas com água (cf. Jo. II, 7); no milagre da Ressurreição de Lázaro, Nosso Senhor pediu para que removessem a pedra do sepulcro antes de chamar o defunto à vida (cf. Jo. XI, 39). O Salvador pode produzir vinho sem água e abrir um sepulcro sem que os homens removam a pedra; mas não é o que mais convém para a nossa instrução. A lição contida nos milagres é que Ele sempre condiciona a Sua ação à nossa cooperação. Ele quer agir, Ele quer nos santificar, mas quer nos santificar conosco, não sem nós.

Nossa vida espiritual, caros fiéis, é uma obra da graça, e a graça não nos priva da nossa natureza, isto é, das nossas ações, do nosso agir próprio. A graça age em nós e conosco, não sem nós. Nossa vida espiritual, portanto, não é um “milagre” que suspende o nosso livre arbítrio, o que seria uma violência contra a natureza das coisas. Não esperemos “milagres” na vida espiritual, porque mesmo nas conversões extraordinárias a graça moveu o livre-arbítrio de maneira irresistível, o que significa que a conversão extraordinária não é, de modo algum, uma violência ao livre-arbítrio, mas a perfeição do livre-arbítrio, que recebe de Deus a graça extraordinária de não se desviar nem recuar do bom propósito. Em resumo, é preciso combater a ilusão de que Nosso Senhor fará algo sem nós, sem a nossa cooperação, fazendo violência ao nosso livre-arbítrio. O que Ele fizer, fará sempre em nós e conosco. Mesmo que a graça da Eucaristia seja a presença do próprio Deus no Sacramento, ainda assim, Ele nada fará sem nós e apesar de nós. Como lemos no Apocalipse: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo.” (Apoc. III, 20)

Dito isso, caros fiéis, se queremos “abrir a porta” a Nosso Senhor, que nos visita no Sacramento, precisamos, em segundo lugar, compreender que a Eucaristia foi instituída sob a forma de alimento, isto é, sob as aparências de pão e de vinho, justamente porque ela age à maneira de um alimento. Assim como o alimento conserva a vida e aumenta as forças do corpo, do mesmo modo, a Eucaristia conserva-nos a vida da graça—ameaçada frequentemente pelos inimigos da nossa salvação—e aumenta-nos o fervor, para que possamos combater o bom combate sem desfalecer. Além disso, assim como o alimento é assimilado pelo organismo, desde a mastigação até a digestão, a Eucaristia também precisa, de certa maneira, ser “mastigada” e “digerida”. E aqui está o cerne da dificuldade.

Afinal, caros fiéis, um católico que não sabe fazer bom proveito da Comunhão eucarística é como alguém que pretende devorar a comida sem mastigá-la muito: ele sente o ardor das consolações no instante da Comunhão, mas o seu organismo espiritual não ganha um verdadeiro progresso da Comunhão. Depois que as consolações passam, parece-lhe que nada de muito profundo ocorreu. Portanto, assim como mastigar bastante ajuda na absorvição dos alimentos pelo organismo, do mesmo modo, precisamos “mastigar”, em certo sentido, a Eucaristia, para assimilá-la bem, para reter a graça da Eucaristia, para que ela não seja uma simples consolação ou ardor transitório.

Precisamos, de certo modo, “mastigar” a Eucaristia, o que não significa que devemos mastigar as espécies eucarísticas. Não tratamos das espécies eucarísticas, isto é, das aparências de pão; tratamos do modo de receber a graça do Sacramento, do modo de se unir mais intensamente com a Pessoa de Nosso Senhor, e não apenas “devorar”, em certo sentido, as consolações transitórias da Eucaristia. Em resumo, mastigar bem, digerir bem a graça da Eucaristia é um modo de dizer que devemos considerar com a inteligência a graça da Eucaristia. A assimilação dos alimentos pela mastigação e pela digestão é uma imagem, é uma analogia adequada de uma certa “ruminação” da inteligência, que considera, que se demora, que procura se aprofundar no conhecimento da verdade, e esta ruminação não é nada mais que a meditação. Em outras palavras, caros fiéis, quem recebe a Eucaristia deve meditar durante a recepção do Sacramento; a meditação é a garantia de que estamos “ruminando” a Santíssima Eucaristia e assimilando a vida de Nosso Senhor em nós.

Isso significa que receber a Eucaristia e precipitar-se em orações vocais não é o modo mais adequado de lucrar a graça do Sacramento. Quando recebemos a Eucaristia, caros fiéis, não devemos voltar ao nosso lugar no banco e retomar o terço do Rosário que havíamos interrompido; não devemos recitar um sem número de orações do devocionário, ainda que sejam tão santas e consoladoras. Nada impede que recitemos uma oração vocal como a tradicional oração “Alma de Cristo”; nada impede que recitemos alguma invocação ou oração do nosso costume. Porém, não podemos fazer companhia à Pessoa de Nosso Senhor, que nos visita no Sacramento, apenas com orações vocais. Seria o mesmo que um noivo visitar a sua noiva, recitar-lhe uma poesia e partir, sem nada lhe dizer de pessoal e, principalmente, sem nada lhe interrogar da sua vida. A Comunhão, pelo contrário, é um colóquio de amor entre a Pessoa de Nosso Senhor e a nossa; Nosso Senhor visita-nos, dá-nos audiência no Sacramento, Ele desce à nossa alma como desceu à Santíssima Virgem na Encarnação e espera conversar amorosamente conosco, espera que estejamos desejosos de ouvi-Lo falar, de ouvi-Lo nos instruir, de ouvi-Lo nos corrigir, de ouvi-Lo nos consolar.  A recepção da Comunhão, portanto, não pode ser apenas o “meu monólogo” de orações vocais. Pelo contrário, recebemos a Comunhão sobretudo para que, pela “ruminação” do Sacramento, isto é, pela meditação, possamos também ouvir Nosso Senhor nos falar.

Que a meditação seja o modo mais adequado de se receber a Eucaristia, que a nossa inteligência deve “ruminar”, em certo sentido, a presença real pela meditação não deveria ser uma novidade para nós que somos frequentadores do Rito Romano tradicional. Afinal, o que ouvimos ao término de cada Missa, no Último Evangelho, após a bênção? Ouvimos São João dizer: “Erat lux vera, quæ illuminat omnem hominem venientem in hunc mundum”, ou seja, “[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.” (Jo. I, 9) Nosso Senhor é Luz verdadeira, e a luz não produz outro efeito senão iluminar. Quando comungamos, caros fiéis, recebemos a Luz de Deus, porque Nosso Senhor é Luz, Luz que ilumina a inteligência daqueles que dela se aproximam pela meditação. Este também é o ensinamento do Padre Francisco Spirago, autor de um famoso Catecismo, quando diz: “Cada comunhão dá-nos novas graças atuais, isto é, esclarece a inteligência e fortifica a vontade. A Comunhão, como o sol nascente, expulsa as trevas e traz consigo a luz […]”. Disso devemos concluir que não há outro modo de ser esclarecido pela luz da Eucaristia senão meditando durante a Comunhão.

Caros fiéis, não nos contentemos em crer e defender que a Eucaristia é a presença real de Nosso Senhor. Façamos nós bom uso do Sacramento, “ruminando”, de certo modo, este alimento celeste, pela meditação durante a Comunhão. É pela meditação, pela consideração demorada, é pela aplicação da inteligência em um dos múltiplos aspectos da Eucaristia que a Comunhão terá sempre um novo sabor para a nossa alma, que ela será sempre nova, sempre rica, sempre fecunda, sempre frutífera. Nosso Senhor, na Eucaristia, é nosso pão espiritual, que sacia até o âmago a nossa alma; é nosso pai, que nos gerou para a vida eterna por meio da Sua Paixão; é nosso amigo, que nos comunica todos os Seus bens e eleva-nos a uma verdadeira semelhança com Ele; é nosso irmão, porque nos faz participar da Sua própria natureza; é nosso Médico, que conhece todas as dores e angústias da nossa natureza por experiência e as venceu pela Cruz; é nosso Remédio, porque não há mal que não possa ser curado pelo Seu Corpo e Seu Sangue; é Esposo de nossa alma, que exige perfeita fidelidade ao Seu amor, dentre outros tantos aspectos da Eucaristia, o nosso Tudo.

Dito isso, devemos daqui por diante, ir à Missa preparados para comungar bem. A primeira preparação, certamente, é a Confissão sacramental, para obter o perdão dos pecados graves assim como o remédio adequado aos pecados veniais. Em segundo lugar, devemos tomar a resolução de fugir dos pecados veniais deliberados, do espírito do mundo e das tentações do demônio. Não faz boa Comunhão quem compactua com os inimigos da nossa salvação, embora não tenha pecados graves na consciência ainda não confessados. Em terceiro lugar, devemos chegar à igreja mais cedo, para recolher o espírito em oração, e não no último minuto antes de a cerimônia começar, especialmente nos domingos e dias santos, quando temos meios de chegar adiantados e fazer uma preparação adequada às graças da Santa Missa e da Comunhão. Por fim, fará excelente Comunhão quem tiver preparado algum brevíssimo ponto de meditação para entreter em santos colóquios com Nosso Senhor na Eucaristia. Para isso, alguns livros espirituais são de grande ajuda, como o famoso opúsculo “Mês eucarístico”, a última parte do Imitação de Cristo ou então as Visitas ao Santíssimo Sacramento para cada dia do mês, compostas por Santo Afonso de Ligório. Se um católico preparar, a partir de uma leitura piedosa, um brevíssimo ponto de meditação, para entreter em santos colóquios com Nosso Senhor eucarístico, certamente a sua Comunhão não será mais um “monólogo” de orações vocais, porque desta meditação virão muitas luzes para dissipar as trevas das nossas paixões e do nosso amor-próprio desordenado.

Caros fiéis, não queiramos receber a Comunhão apenas para devorar as suas consolações e oferecer alguns afetos a Nosso Senhor. A Eucaristia é a Luz que ilumina a nossa inteligência, Luz que o mundo não conheceu, Luz que não foi recebida por aqueles que eram Seus, mas que para nós é plenitude de bens e a antecipação da felicidade do Paraíso.