Sermão para a Solenidade Externa da Epifania

Bethlehem a Brasilia, 12 januarii A.D. 2020

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

Na festa da Sagrada Família, o que dizer de nossas famílias?

Ave Maria.

Divino Menino Jesus.

Nossa Senhora do Rosário

Santo Antônio de Lisboa.

Caros fiéis, a festa da Sagrada Família foi instituída pelo Papa Bento XV, em 1921, para o domingo dentro da oitava da Epifania. Trata-se da mesmo tempo litúrgico em que os párocos visitavam os seus paroquianos em épocas passadas, a fim de abençoar as casas com a bênção da Epifania. Nós outros tivemos a graça de retomar este piedoso costume da bênção da Epifania e, felizmente, a maioria absoluta das nossas famílias pediu para receber a visita do sacerdote. Nada mais justo, portanto, do que tratar de nossas famílias no dia da santa Família de Nosso Senhor, a fim de concluir que lugar o Rito Romano tradicional ocupa na prática cristã de cada família de nosso apostolado a partir daquilo que puderam observar os sacerdotes.

Antes de tudo, é preciso considerar que a visita dos sacerdotes do Instituto Bom Pastor às famílias têm uma importância particular porque é a refutação do mito segundo o qual os sacerdotes do Rito Romano tradicional não são “pastorais”, isto é, não se importam em conhecer de perto as próprias ovelhas para guiá-las mais perfeitamente até a Pessoa de Nosso Senhor. Pensa-se a respeito de nós que somos meros “Padres de sacristia”, isto é, preocupados unicamente com o culto divino. Na verdade, a má impressão de alguns a respeito dos sacerdotes do Rito Romano tradicional provém da sua noção errônea a respeito da espiritualidade sacerdotal.

Por um lado, é verdade que o diretor espiritual e confessor de São João Bosco, o grande São José Cafasso, declarou que a igreja deve ser a segunda residência de um sacerdote, e que o sacerdote deveria ser visto, se isto fosse possível, apenas no altar e no confessionário. São José Cafasso dizia que o sacerdote retirado já é uma pregação para o mundo, porque se acata mais facilmente os conselhos de um sacerdote de quem se respeita a autoridade, isto é, quando não há familiaridades indevidas. É para o bem do próprio sacerdócio que o Padre deve ser um homem retirado, a fim de preservar a sua autoridade e a sua paternidade. A propósito, quantas confissões o sacerdote deixou de ouvir por ter se tornado amigo, familiar e próximo de certos penitentes! Portanto, é para ganhar as almas, é para não envergonhar os penitentes que o sacerdote deve ser um homem retirado, amante da solidão.

Por outro lado, é também para ganhar almas que o sacerdote deve se fazer próximo, porque se o Padre não conhecer o rebanho que lhe foi confiado não poderá guiá-lo zelosamente para o Céu. É preciso compreender, caros fiéis, que quando o sacerdote se faz próximo das ovelhas é principalmente enquanto pastor, não tanto enquanto amigo; quando o sacerdote se faz próximo das ovelhas é para ganhá-las para Nosso Senhor e não para ganhá-las para si, isto é, para ser estimado por elas. Enquanto pastor, o Padre deve, de fato, frequentar com as ovelhas como se tem o costume de fazer, a saber, na porta da igreja, ao fim da Missa, em visitas pontuais às famílias, mas sempre salvaguardando a sua autoridade e paternidade de toda familiaridade e intimidade danosa, o que seria prejudicial ao seu ofício de confessor e diretor espiritual.

A visita às famílias, caros fiéis, demonstra o interesse dos sacerdotes do Rito Romano tradicional em praticarem a pastoral preservando-se de riscos para o exercício da autoridade e da paternidade sacerdotal, porque nós cremos no sacerdócio católico. Visitando as famílias, conhecendo ovelha por ovelha, o sacerdote quer salvar todo o rebanho que a Providência lhe confiou; mas retirando-se e evitando frequentações excessivas, o sacerdote quer se salvar a si mesmo, porque sem uma vida retirada não há vida de oração, e sem oração faltam-lhe as luzes e as graças para guiar as ovelhas no penoso caminho da santidade.

Em segundo lugar, é preciso considerar, caros fiéis, a visita às famílias também serviu para refutar outro mito segundo o qual a procura pelo Rito Romano tradicional interessa apenas uma elite intelectual e profissional, pessoas abastadas e de vasta erudição, enquanto os pobres e os de pouca cultura permanecerão sempre à margem do nosso apostolado. Na verdade, nossos sacerdotes visitaram todos os bairros, dos mais nobres aos mais periféricos, das ruas melhor localizadas àquelas passagens em que o automóvel não é capaz de passar. Durante a oitava da Epifania, nossos sacerdotes aplicaram aquele versículo de São Paulo, quando ele diz: “Fiz-me fraco com os fracos, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de salvar a todos.” (I Cor. IX, 22) A feliz constatação de que as ovelhas do Rito Romano tradicional estão em todos os confins de uma Diocese nos faz perceber claramente o poder da graça de Deus e a ação da Providência, que é capaz de fazer das pedras filhos de Abraão (cf. Mt. III, 9). Não há pedregulho, isto é, não há circunstância adversa da qual a graça não possa suscitar uma conversão. Caros fiéis, quando se nota que há provavelmente mais exemplares da Suma de Teologia de Santo Tomás de Aquino nas periferias do que nas bibliotecas de muitos centros universitários, este é o sinal claro de que Deus fala, Deus chama, porque conhecemos a Tradição da Igreja mesmo quando o mundo conspirou para mantê-la escondida e esquecida. É um mito, portanto, caros fiéis, que o Rito Romano tradicional só interessa aos ricos e aos cultos, porque não se trata de uma questão de poder aquisitivo ou erudição, trata-se de ouvir com generosidade a voz da graça que sopra em nossa consciência. Para os reis magos, uma estrela bastou para encontrarem até o Salvador; para os sacerdotes e escribas judeus, todas as profecias do Antigo Testamento não foram suficientes para convencê-los a peregrinarem até Belém, mesmo após a passagem dos magos pela corte de Herodes à procura do Menino Deus. Nossa verdadeira riqueza, caros fiéis, é a nossa adesão à vontade de Deus, nosso tesouro é a in-habitação do Espírito Santo em nossas almas, nosso patrimônio são os méritos infinitos de Nosso Senhor: esta riqueza, este tesouro e este patrimônio não se compra com os bens deste mundo, ainda que os bens deste mundo possam ser meios e instrumentos nas mãos daqueles que desejam ouvir e praticar a vontade de Deus.

Dito isso, caros fiéis, ninguém deve se envergonhar da própria pobreza nem se constranger da própria riqueza, mas todos nós devemos nos envergonhar do nosso pouco adiantamento espiritual, da nossa indisposição em ter vida de oração, da nossa pouca generosidade em praticar a virtude e fazer sacrifícios, porque nossa verdadeira riqueza é nossa vida interior, nossa verdadeira pobreza é a nossa pouca ou nenhuma vida interior. Nada mais belo do que constatar um verdadeiro desapego e desprezo pelos bens materiais da parte de alguns ricos e abastados, que concebem os seus bens unicamente como dons que a Providência lhes confiou a fim de distribuí-los pelo exercício da misericórdia espiritual e corporal. Os ricos não são mais do que administradores, que devem tanto frutificar quanto distribuir o que Nosso Senhor lhes confiou. Os reis magos ofereceram presentes nobres ao Salvador; Santa Maria Madalena perfumou os pés do Senhor com um perfume caro e José de Arimatéia ofereceu um sepulcro novo para abrigar o corpo do Senhor morto. A riqueza não é um mau, enriquecer não é um pecado; por outro lado, a riqueza deve ser licitamente adquirida e administrada, pois Nosso Senhor irá cobrar dos ricos, no dia do juízo, por aquilo que adquiriram e de que modo administraram. E infelizmente, caros fiéis, devemos constatar, que se somos apegados a tão pouco, se mesmo em meio à pobreza somos apegados a tão pouco, os ricos e abastados devem examinar zelosamente a sua consciência a fim de não roubarem daquilo que é de Deus por causa da cobiça ou da avareza. Lembremo-nos, caros fiéis, daquilo que disse São Paulo, a saber: “O que importa é que […] os que usam deste mundo, [vivam] como se dele não usassem. Porque a figura deste mundo passa.” (I Cor. VII, 29, 31)

Se a pobreza ou a riqueza não deve ser objeto da nossa vergonha, o que deve verdadeiramente envergonhar-nos, caros fiéis, é se nossa casa ainda não tem uma identidade católica, isto é, se não é possível reconhecer a Fé dos moradores graças aos sinais externos, como o crucifixo e as imagens santas. O que deve nos envergonhar, caso haja o crucifixo ou imagens santas, é se eles ocupam um lugar marginal, se não passam de objeto de coleção ou de adorno, porque o lugar que se dá aos objetos santos testemunha se naquela residência há ou não vida de oração em família. Portanto, não basta ter imagens, não basta ter muitas imagens, é preciso que estas imagens estejam a serviço da vida de oração da família, porque a família também é uma criatura de Deus e precisa Lhe prestar a devida adoração. Agora que os crucifixos e as imagens santas de nossas famílias estão benzidos, é o momento de instaurar o oratório da família, é o momento de se dar um lugar nobre e central a estes sinais da Fé, que não são meros objetos de adorno para os móveis ou as paredes da residência.

Por fim, caros fiéis, devemos nos alegrar por todas as graças recebidas pela visita do sacerdote, que é o ministro da graça de Deus. Ai de nós se por um motivo superficial não quisemos receber a visita do sacerdote. Após tantas visitas, os sacerdotes do Instituto Bom Pastor podem constatar com grande convicção que, de uma certa maneira, nossas ovelhas estão entre as melhores almas que há na sociedade, pela formação doutrinal, pela frequência aos Sacramentos, pelos esforços praticados na vida de oração e de virtude. Nossas ovelhas estão entre as melhores almas que há na sociedade, o que deve ser objeto de temor mais do que de alegria: se nós julgamos conhecer mais a Fé católica do que a média, se nós julgarmos praticar melhor a Fé católica do que a média, não seria por este motivo que a sociedade vai tão mal? Não é a nossa falta de generosidade que atrasa as graças mais necessárias, não são os nossos pecados e traições que mais ofendem o Coração de Jesus? Alegremo-nos com o que Nosso Senhor fez em nossas famílias, com a Sua graça que faz das pedras filhos de Abraão, mas também reconheçamos que Ele poderia ter feito muito mais, se fôssemos mais generosos.