Bethlehem a Brasilia, 12 aprilis A.D. 2020
Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.
Qual graça pedir nesta Páscoa?
“Infundi, Senhor, em nós, o Espírito de Vossa caridade, a fim de que, todos os que saciastes com os sacramentos pascais, por Vossa bondade, permaneçam em perfeita união.”
Ave Maria.
Divino Menino Jesus.
Nossa Senhora do Rosário.
São José.
Santo Antônio de Lisboa.
Caros fiéis, peço licença para narrar uma história a fim de ilustrar o argumento e a súplica que pretendo fazer, com o auxílio de Nossa Senhora, para este domingo da Ressurreição.
Em 1790, um ano após o início da Revolução Francesa, o rei Luís XVI assina a contragosto a Constituição civil do Clero, aprovada pela Assembléia constituinte. A Constituição civil do Clero pretendia submeter a Igreja aos interesses revolucionários. Os Padres passariam à condição de funcionários públicos eclesiásticos; tanto os Bispos quanto os Padres seriam eleitos pelo povo e a autoridade do Papa sobre a Igreja na França era limitada pelo controle do governo. Em outras palavras, a Constituição civil do Clero criou uma igreja nacional, serva do Estado, herética e cismática. Os sacerdotes que se submeteram à Constituição são chamados de juramentados, enquanto os que se negaram, os refratários. Dentre os sacerdotes refratários, alguns foram presos, outros exilados, outros guilhotinados. O direito ao uso das igrejas passou oficialmente ao Clero juramentado, enquanto que o Clero refratário, na maioria dos casos, se obrigou a celebrar a Missa privadamente ou clandestinamente.
Este episódio da Revolução francesa nos introduz no caso do pároco juramentado da paróquia São Nicolau, do vilarejo de Abbéville, norte da França, que ficou profundamente comovido diante da desorganização, ou melhor, da destruição do culto litúrgico mantido pelo Clero revolucionário e decidiu abandonar o partido da Revolução para reintegrar a unidade da Igreja. Todavia, o pároco penitente não quis retomar suas funções sacerdotais imediatamente. Para ele, não se tratava apenas de abandonar o Clero juramentado—o Clero oficial—para aliar-se ao Clero fiel a Roma—o Clero perseguido. Para o pároco arrependido, uma vez que suas faltas eram públicas elas exigiam uma reparação pública. Ele preferiu se abster de celebrar Missa e para apenas assistir às Missas dos sacerdotes fiéis. No primeiro domingo do Advento de 1796, ele pôde subir ao púlpito de uma igreja refratária a fim de retratar-se publicamente de seu juramento ao Estado, reconhecendo o seu erro, suplicando o perdão de Deus e o daqueles que ele havia escandalizado pela sua conduta.
Caros fiéis, o caso do pároco penitente diz muito sobre a nossa situação atual, neste domingo da Ressurreição em que a alegria pascal arrisca faltar. A situação dos católicos no momento presente nos faz lembrar a pesca milagrosa, em que a quantidade de peixes ameaçava romper as redes e afundar a barca (cf. Lc. V, 6-7). Os católicos também, de certa maneira, parecem romper com a unidade da Igreja por causa da ausência física dos membros da Hierarquia, que é também, frequentemente, uma ausência moral. Muitos estão escandalizados, muitos estão desolados pela ausência de assistência espiritual, assim como muitos simplesmente abandonaram a oração particular assim que a presença dos fiéis no culto foi suspensa. Como disse Nosso Senhor, citando o profeta: “Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho serão dispersadas.” (Mt. XVI, 31) Todavia, a promessa da indefectibilidade da Igreja, a promessa de que as portas do inferno não prevalecerão (cf. Mt. XVI, 19) nos serve de consolo no momento atual, porque o Senhor ressuscitado, vencedor do demônio, do pecado e da morte, vencerá a presente crise como Ele venceu todas as crises precedentes. Não podemos duvidar.
Dito isso, devemos aplicar o caso do pároco penitente às nossas circunstâncias, devemos tirar a lição que ela contém. Diante da atual suspensão do culto com presença dos fiéis—o que, em certos casos, inclui o triste fechamento das igrejas—, alguns católicos manifestam o seu profundo descontentamento com o Clero. Alguns católicos se julgam traídos e abandonados pelos seus pastores, que não foram virtuosos o suficiente para resistir ao fechamento das igrejas e à interdição da presença dos fiéis no culto, cujo respeito humano os torna semelhantes aos apóstolos em fuga durante a Paixão. Não faltou quem comparasse os sacerdotes ao próprio apóstolo traidor ou a Pilatos que se lava as mãos.
Felizmente não são as nossas ovelhas, as ovelhas dos nossos apostolados, que reagem com tais termos ou com tais comparações, porque as ovelhas dos nossos apostolados não pensam apenas naquilo que elas perderam—a assistência à Santa Missa—, elas pensam também nos seus sacerdotes. Elas pensam em nossa subsistência; elas pensam em nossa saúde corporal, por causa do atendimento dos fiéis em tempos de epidemia—especialmente os enfermos nos Hospitais—; elas pensam em nossa saúde espiritual, que não pode ser abalada pela solidão que vem do isolamento. A docilidade, a obediência e a caridade das nossas ovelhas nos enchem de consolo e gratidão. As nossas ovelhas mais fiéis sabem que o que estamos perdendo nestas semanas não se compara com o que temos para manter, isto é, o apostolado, o bem comum; e não apenas manter, mas fazer crescer. As nossas ovelhas sabem que assim como São José foi avisado em sonho para retirar-se e fugir ao Egito a fim de salvar o Menino Jesus das mãos de Herodes (cf. Mt. II, 13-15), do mesmo modo, os sacerdotes se obrigam a reservar seu ofício ao atendimento particular das almas para salvar o apostolado não de um mal temporário, mas de um mal definitivo e mortal—isto é, a suspensão deste mesmo apostolado—, ainda que, assim como durante a fuga do Menino Jesus, muitos inocentes tenham sido martirizados pelo rei invejoso. Sim, caros fiéis, para que Nosso Senhor retorne do exílio do Egito é preciso que também sofram os inocentes, aquelas almas que sempre foram fiéis à Missa dominical e frequente, para que o mérito deste sofrimento obtenha o retorno da presença dos fiéis no culto.
Não são nossas ovelhas mais fiéis, aquelas que tem o espírito do nosso apostolado, que tecem críticas generalizadas ao Clero, que submetem ao mesmo juízo tanto os sacerdotes que infelizmente desertaram quanto aqueles que continuam cuidando das ovelhas com a inventividade própria da caridade. De fato, o próprio da caridade é ser inventiva, ou seja, a caridade sempre encontra formas para se comunicar. E em tempos de peste, mesmo os sacerdotes descobriram o quanto eles podem produzir o bem por meios que até então nunca haviam considerado.
Todavia, é preciso corrigir com caridade e doçura aquelas ovelhas do rebanho de Nosso Senhor que se julgam abandonadas e perdidas, quando, na verdade, a sua atitude pessoal colabora com a sua própria ruína. Afinal, caros fiéis, Nosso Senhor não Se agrada com a nossa murmuração, com o zelo amargo das palavras e comparações, com a precipitação do juízo, com as generalizações injustas, com a indignação desordenada, que não produz frutos de caridade no próximo tanto quanto tais atitudes não procedem da caridade, isto é, não procedem do Espírito Santo.
O caso do pároco arrependido que abandonou o Clero juramentado e fez penitência tem muito a dizer sobre a circunstância atual. O que o Clero católico precisa neste momento não é de acusadores bem ou mal intencionados. O que o Clero católico precisa é de ovelhas com olhar sobrenatural, convictas que somente a vida interior—o fervor da caridade—pode nos salvar da presente crise. O que o Clero católico precisa é de ovelhas que rezem por eles, como lemos nos Atos dos apóstolos quando da prisão de São Pedro: “Pedro estava assim encerrado na prisão, mas a Igreja orava sem cessar por ele a Deus.” (At. XII, 5) Foi a oração incessante da Igreja que obteve a graça da libertação de São Pedro pela visita do Anjo em seu cárcere.
Caros fiéis, se porventura nós sacerdotes estamos encarcerados em um falso juízo, se estamos de fato presos pelo respeito humano e enlaçados pelo temor, então que a oração da Igreja suba novamente ao Céu, porque a murmuração não irá salvar o Clero, mas irá perder também o rebanho. A tristeza torna desagradável a nossa oração a Deus, porque é um sinal de falta de confiança, de falta de abandono nas mãos de Deus, que tudo permite para o nosso bem.
O pároco arrependido de Abbéville, durante a Revolução, reconheceu publicamente o seu erro e não quis celebrar Missa sem antes ter feito penitência dos seus pecados e escândalos. As ovelhas que se julgam abandonadas indistintamente pelos sacerdotes devem considerar com atenção a penitência daquele pároco, porque se pretendem regressar às igrejas—assim que a presença dos fiéis for readmitida—como se tudo estivesse bem, então pensaram apenas em si mesmas, então o suposto pecado dos seus pastores não lhes fere o coração. Não podemos voltar às igrejas, às filas de Confissão e Comunhão, às formações doutrinais e aos encontros amicais com os mesmos sacerdotes que atualmente são vítimas de nosso zelo amargo; isso é fazer dos sacerdotes meras “máquinas de Sacramento” e não pastores que devemos ouvir e obedecer com docilidade. Se queremos efetivamente o bem da Igreja, então não podemos exigir apenas o Sacramento, devemos fazer e esperar que se faça a reparação e a penitência daquilo que for pecado, assim também como devemos nos interrogar se temos ou não confiança em nossos pastores de alma, se temos confiança na Teologia que receberam e na vida sacerdotal que vivem, porque, neste caso, é provável que não foram eles que aparentemente nos traíram, e sim que nós nunca confiamos de verdade, na medida em que passamos a criticá-los antes mesmo de consultá-los para ouvir se tinham motivos que desconhecíamos.
Caros fiéis, a graça que especialmente devemos pedir neste domingo de Páscoa está contida na oração pós-Comunhão: “Infundi, Senhor, em nós, o Espírito de Vossa caridade, a fim de que, todos os que saciastes com os sacramentos pascais, por Vossa bondade, permaneçam em perfeita união.” Mesmo que muitos estejam longe do Sacramento da Eucaristia, peçamos, ainda assim, em união espiritual à Missa, em comunhão espiritual com a realidade do Sacramento, peçamos ainda assim que Nosso Senhor infunda sobre nós o Espírito da Sua caridade, a fim de que haja união no rebanho, e não discórdia. Se não queremos mercenários pastoreando o rebanho de Deus, sejamos então ovelhas e não parasitas, tenhamos verdadeiro amor pelo sacerdócio.
Após a Ressurreição, no encontro com Santa Maria Madalena, Nosso Senhor lhe disse: […] vai a meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.” (Jo. XX, 17) Nosso Senhor chamou de irmãos aqueles mesmos apóstolos que dias antes O haviam abandonado e traído. Pois bem, caros fiéis, por acaso a nossa indignação e amargura de coração nos impediu de felicitar, na Quinta-feira Santa, os sacerdotes que nos pastoreiam, desejando-lhes uma feliz comemoração da instituição do sacerdócio? Por acaso temos desperdiçado tempo em criticar os sacerdotes ao invés de rezar por eles e manifestar caridade para com eles? Pensamos nas necessidades materiais e espirituais dos sacerdotes ou abandonamos os sacerdotes da mesma maneira que nos julgamos indistintamente abandonados por todos eles? Lembremo-nos neste domingo da Ressurreição das palavras de São Pedro em sua epístola: “Não pagueis mal com mal, nem injúria com injúria. Ao contrário, abençoai, pois para isso fostes chamados, para que sejais herdeiros da bênção.” (I Pd. I, 9) Abençoemos, isto é, desejemos o bem aos sacerdotes, rezemos por eles, tenhamos caridade para com eles, façamos sacrifícios por eles, que o Anjo do Senhor visitará os sacerdotes reclusos, com suas boas inspirações, assim como visitou São Pedro no cárcere.