Bethlehem a Brasilia, 25 decembris A.D. 2019
Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.
O presépio da minha Catedral e o nascimento do Salvador nas almas
Ave Maria.
Divino Menino Jesus.
Nossa Senhora do Rosário
Santo Antônio de Lisboa.
Desde a minha infância, tive a oportunidade de visitar o presépio da Catedral da minha cidade natal e muitas vezes o vi em fase de preparação. Este presépio era montado sobre uma ampla superfície onde se podia representar—de um lado e de outro da gruta da Natividade—duas cidades, que me aparentam ser Belém e Jerusalém. Ao redor da gruta, encontramos plantas e galhos naturais, que fazem lugar às árvores, trilhas pontilhadas por pedrinhas, além de elementos como a imitação de um morro, a imitação de um poço ou de um galinheiro. A própria gruta do Natividade era particularmente bem feita, imitando com perfeição as superfícies das pedras. O presépio não era de uma riqueza digna dos presépios napolitanos, as peças eram de gesso, eram do século passado, mas sempre me impressionou quão bem preservados estavam, o quanto ainda as sua cores ainda brilhavam. Nada era extraordinariamente rico; não se tratava de riqueza, e sim, de zelo. A cena da Natividade foi montada por alguém zeloso—de bom gosto, certamente, mas zeloso—, zeloso pela glória de Deus. Em meio a tantas modificações que os edifícios sagrados sofreram desde os anos 60, desde que se quis adaptar as igrejas à Reforma Litúrgica pela eliminação de altares e imagens sacras, felizmente, a tradição do presépio da minha Catedral se manteve graças a um senhor, falecido há apenas dois anos, que durante décadas não apenas transmitiu o que ele mesmo aprendeu, mas também empregou todo o seu gênio para dar realismo ao presépio, para torná-lo gracioso.
Graças ao presépio da minha Catedral, desde cedo me tornei “exigente” para apreciar um presépio, porque dificilmente se encontra uma cena da Natividade à altura daquilo que eu vi na Catedral. Mesmo nas outras paróquias da cidade, dificilmente outro presépio seria tão digno quanto o da Catedral. E se essa disparidade já havia naquele tempo, durante a minha infância, e depois de eu ter visitado tantos presépios, em igrejas, hospitais, praças, residências, e isso de um extremo ao outro do país, posso dizer com segurança que nossos presépios carecem de beleza, carecem de zelo.
Não apenas de beleza e de zelo. Caros fiéis, os presépios do nosso tempo carecem de coerência, de sentido. Primeiramente, a sociedade monta o presépio muito antes do tempo do Advento, desligando-o da preparação do Natal e associando-o a uma época de compras. Quanto mais cedo as lojas e shoppings estiverem enfeitados, mais cedo a população será estimulada ao consumo. E para isso, o presépio não precisa ser belo, basta que seja visível e luminoso para quem passa. Em segundo lugar, e isso também é grave, o Menino Jesus frequentemente já está na manjedoura desde o princípio. Aquela cena que deveria marcar a imaginação de adultos e crianças durante o tempo de preparação para o Natal, tornou-se uma mera lembrança de um acontecimento passado. Como alguém me disse uma vez: “afinal, ele já nasceu há dois mil anos.” Pois assim pensa a sociedade: Nosso Senhor “já nasceu e não nascerá de novo”, tudo não passa de uma recordação. O Natal não passa do “aniversário de Jesus” para a nossa sociedade, quando para nós, católicos, o Natal é o nascimento de Nosso Senhor em nossas almas. Caros fiéis, a cena de se introduzir a imagem do Menino Jesus no presépio na noite de Natal só faz sentido se o presépio ainda representa algo para a nossa vida espiritual, se cremos que a vida católica consiste na imitação de Nosso Senhor em Seus mistérios e em Suas virtudes.
Além destas duas incoerências mais flagrantes, que desvirtuam profundamente o sentido do presépio, observamos outras, que às vezes nos fazem rir, às vezes merecem a nossa consternação. Como eu disse há pouco, nossos presépios carecem de coerência, de sentido. O Evangelho diz que os pastores foram evangelizados pelo Anjo, e somente então se dirigiram a Belém. Em nossos presépios nem sempre há Anjo, nem sempre há relação entre o lugar que cabe ao Anjo e o lugar dos pastores. O Evangelho diz que os magos vieram do Oriente, ainda que a tradição tenha nos comunicado que eram três. Pois os reis magos dos nossos presépios não vêm do Oriente, vêm de todas as direções, viajam separados e chegam em momentos distintos. Os reis magos deveriam estar longe da cena da Natividade até o dia da Epifania, para que na Epifania as suas imagens se aproximassem da manjedoura. Ademais, quantas vezes encontramos entre eles as ovelhas, quando, na verdade, as ovelhas deveriam circundar os pastores, e não os magos? Nossos presépios dão a impressão que quase ninguém se importa com o relato do Evangelho, que as peças apenas circundam a manjedoura, como se cada personagem não tivesse uma história própria, como se não passassem de anônimos numa multidão, a quem Deus falaria de modo genérico. Em outras palavras, nós perdemos a capacidade de ver, no presépio, o quanto a graça de Deus age diversamente na história de cada um, o quanto a alma de cada um foi objeto de um amor particular.
Se, por um lado, falta beleza nas peças dos presépios que encontramos em nossa época, por outro, falta zelo da nossa parte em montar o presépio e torná-lo uma verdadeira meditação da Natividade de Nosso Senhor. Em 1223, São Francisco de Assis disse: “Quero representar o Menino nascido em Belém, para de algum modo ver com os olhos do corpo os incômodos que Ele padeceu pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido, tendo sido reclinado na palha duma manjedoura, entre o boi e o burro.” O autor do primeiro presépio, caros fiéis, não procurava mais do que meditar sobre a Natividade; e para tanto, quis representar o nascimento do Salvador o mais vivamente possível, a fim de conhecer todas as Suas privações e humilhações na gruta de Belém.
O zelo que teremos, daqui por diante, caros fiéis, na preparação do presépio, dependerá, portanto, disso. O Natal não é apenas o “aniversário de Jesus”, é o nascimento de Nosso Senhor em nossas almas. O presépio não é apenas a lembrança de um evento passado, mas um meio muito eficaz de considerar o amor delicado com que o Salvador nos amou especialmente em Sua infância.
É preciso fazer do presépio o centro da celebração do Natal em família, porque, por enquanto, gastamos um tempo desproporcional com compras. Pensamos na troca de presentes, na ceia de Natal, na decoração da casa para agradar os olhos dos parentes e amigos, e Nosso Senhor permanece o primeiro ausente, o grande desconhecido dos lares católicos. A feiúra dos nossos presépios testemunha contra nós, porque gastamos nosso tempo e riqueza conosco mesmo, e não nos importamos em preparar zelosamente a cena da Natividade. A incoerência dos nossos presépios testemunha contra nós, porque é sinal da nossa falta de reflexão, e por consequência, da nossa pouca vida de oração, da ausência quase que completo da meditação.
Para tanto, faço apelo aos pais, aos adultos, para que, a partir do próximo Advento a preparação do presépio seja um evento oficial da família, que engaje todos os membros da casa e que seja preparado com zelo, a fim que se cumpra em cada lar aquele fim almejado por São Francisco: “[…] para de algum modo ver com os olhos do corpo os incômodos que Ele padeceu […]”. Os incômodos do Salvador merecem que nós nos incomodemos em preparar zelosamente o presépio. Talvez a contemplação de um presépio nos dê a graça de abandonarmos um pecado de estimação—aquele bezerro de ouro—porque, como diz o Prefácio do Natal, “[…] pelo mistério do Verbo encarnado, a luz da Vossa claridade se difunde nos olhos da nossa mente, a fim de que, enquanto conhecemos a Deus de modo visível—na manjedoura—, sejamos por Ele raptados de amor pelos bens invisíveis.” Que o Menino Jesus rapte novamente a nossa alma cativa, prisioneira e escrava para a liberdade do Seu santo amor.