Bethlehem a Brasilia, 13 octobris A.D. 2019
Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.
A vontade do paralítico e a nossa veleidade
“Levanta-te – disse ele ao paralítico –, toma a tua maca e volta para tua casa” (Mt. IX, 6)
Ave Maria.
Divino Menino Jesus.
Ó Maria, concebida sem pecado.
Santo Antônio de Lisboa.
Caros fiéis, a Teologia católica nos ensina que a vida interior, a vida espiritual é semelhante a um organismo, porque a graça santificante, que recebemos no Sacramento do Batismo e que se recupera pelo Sacramento da Confissão, a graça santificante não nos é dada para permanecer estática em nossa alma. Se não crermos que podemos crescer em graça, seremos como os protestantes, pois o Protestantismo é uma falsa religião que não crê na santidade, isto é, na perfeição. Mas se não nos esforçarmos para crescer em graça, ainda que sejamos católicos de nome, agiremos como protestantes, seremos protestantes na prática. É preciso, portanto, caros fiéis, esforçarmo-nos para crescer em graça, ou melhor, para desenvolver o organismo espiritual que nos foi infundido no Batismo, caso queiramos não apenas parecer, porém agir como católicos.
E aqui logo encontramos uma dificuldade bastante inoportuna: ainda que desejemos a santidade, ainda que aspiremos a santidade, ela se mostra sempre muito longínqua, como uma miragem, como um horizonte que sempre se afasta; e vencidos pelo peso da cruz, caímos por terra e desistimos da vida espiritual tão logo algo nos contrariar ou uma tentação se apresentar. Desistimos facilmente, desistimos rapidamente, o que significa que nosso desejo pela santidade, nosso propósito, nossa resolução não passava de uma veleidade, ou seja, de um desejo ineficaz, como uma frágil flor que uma simples ventania desfaz. Nossa vida espiritual, caros fiéis, frequentemente não passa de uma frágil flor que uma simples ventania desfaz, e isso apesar das inúmeras confissões, comunhões e terços do Rosário, e isso apesar dos bons propósitos e da leitura espiritual. Por esta razão, devemos ler o Evangelho deste XVIII domingo após Pentecostes no seu sentido espiritual, porque a enfermidade daquele paralítico é uma imagem da tibieza, uma vez que a tibieza atrofia e paralisa os atos de virtude da alma e impede o progresso espiritual.
O primeiro elemento que devemos notar no Evangelho, caros fiéis, é a vontade firme do paralítico. Ele quer ser curado com vontade eficaz. O Evangelho da Missa, extraído de São Mateus, limita-se em dizer que um paralítico foi apresentado a Nosso Senhor, ao passo que São Marcos acrescenta à cena algumas circunstâncias muito valiosas para a nossa meditação, pois declara que em torno da casa onde estava Nosso Senhor se encontrava uma considerável multidão, de tal modo que não havia lugar sequer à porta (cf. Mc. II, 2). O paralítico queria ser curado, e por isso não se resignou a ficar fora da casa; o paralítico queria ser curado, e por isso não desanimou diante da multidão que obstruía a porta da casa. O paralítico, portanto, tinha uma vontade firme que nenhum obstáculo pôde demover. Do mesmo modo, caros fiéis, se não quisermos que nossa vida espiritual seja como uma frágil flor que uma simples ventania desfaz, devemos substituir nossa veleidade habitual por uma vontade firme e eficaz. É preciso querer ser santo e não apenas suspirar pela santidade. É preciso avançar na peregrinação rumo ao Céu, e não apenas calcular distâncias, como quem teme o cansaço, como quem teme as renúncias, como quem calcula se a santidade vale os sacrifícios que traz consigo. Isso é a veleidade, ou seja, uma vontade ineficaz, que condiciona a santidade às circunstâncias fáceis e agradáveis, que exclui toda contrariedade e mortificação, toda renúncia e sacrifício. A veleidade não alcança o Céu, porque o amor a Deus e o amor-próprio desordenado são irreconciliáveis: quem ama a Deus odeia tudo aquilo que se opõe à caridade; ao passo que quem ama desordenadamente a si mesmo, cedo ou tarde irá se opôr gravemente à caridade e renunciar à graça.
A vontade firme e eficaz do paralítico, caros fiéis, é digna de admiração e imitação. Por esta razão, o segundo elemento do Evangelho que devemos notar são os meios que o paralítico tomou para chegar até Nosso Senhor. Segundo São Marcos, impedido de entrar na casa pela porta, o paralítico foi carregado por quatro homens, que subiram a escada exterior da casa e o desceram por uma abertura no teto. O paralítico poderia esperar uma outra oportunidade para encontrar Nosso Senhor ou então simplesmente aguardar a Sua saída da casa, mas em ambos os casos não estaria seguro de poder encontrá-Lo. O paralítico tinha pressa de se encontrar com Nosso Senhor, e por isso escolheu o meio mais rápido e o mais seguro. Em outras palavras, o paralítico fez tudo o que estava em seu poder. Mesmo sendo enfermo, ele pôde se aproximar do Salvador, enquanto muitos eram os que se aglomeravam em torno da casa e que não fizeram o que o paralítico fez. Caros fiéis, uma das notas, uma das características da caridade é que ela é inventiva. Quem ama sempre descobre meios para comunicar o seu amor. A vontade do paralítico não estava paralisada pela tibieza, era uma vontade viva e ardente de se aproximar do Salvador e de não desistir até tê-Lo encontrado. O paralítico, portanto, fez tudo o que estava em seu poder. Do mesmo modo, caros fiéis, se não quisermos que nossa vida espiritual seja como uma frágil flor que uma simples ventania desfaz, devemos fazer tudo o que está em nosso alcance. Quando percebemos a violência de uma tentação ou quando somos contrariados por uma tribulação, se não rezarmos com mais intensidade, se não procurarmos o remédio da mortificação, se não recorrermos à Santíssima Virgem pela arma do Santo terço do Rosário, se não fugirmos das ocasiões de pecado—o que ainda não parece evidente para todos—, não podemos nos justificar diante de Deus que a tentação nos seduziu ou que a tribulação nos esgotou. Enquanto ainda repetirmos o erro da mãe do gênero humano, que deu crédito ao discurso da serpente, não podemos dizer que fizemos tudo o que estava em nosso poder. É certo que, da parte da Providência, teremos sempre a graça, mas se não colaborarmos com a primeira graça que Deus dá a todos, a graça suficiente, não podemos esperar as demais graças, aquelas mais necessárias quando as tentações são mais violentas e as tribulações mais mortificantes. Precisamos reconhecer, caros fiéis, que a nossa inércia em recorrer aos meios da graça, a nossa preguiça constante em rezar e praticar mortificação dá testemunho da nossa veleidade, porque até hoje não fizemos tudo o que está em nosso poder. Até hoje não fizemos mais do que procurar reconciliar o amor de Deus com o amor-próprio desordenado. Até hoje não nos acusamos com verdadeira humildade na Confissão de que caímos por culpa própria, e não porque “era impossível resistir”. Era possível resistir, era possível fugir daquela ocasião de pecado, era possível dizer aquele “não”, em suma, era possível não pecar, se tivéssemos feito tudo o que estava em nosso poder. Então não somos como o paralítico, que chegou até Nosso Senhor; somos como aquela gente da multidão, que se crê devota apenas porque se aglomera em torno de uma casa, mas não vê e nem ouve Nosso Senhor.
Assim como enfermidade do paralítico é uma imagem da tibieza, a sua descida até Nosso Senhor pelo teto da casa também possui um sentido espiritual. Afinal, se o paralítico tivesse permanecido com a multidão não teria se encontrado com Nosso Senhor, do mesmo modo que um tíbio, quando procura rezar é invadido por uma multidão de pensamentos que nascem dos vícios adquiridos e que o impedem de lucrar a graça. Isso significa que quando alguém se afasta da vida espiritual com a pretensão de retomá-la futuramente, ainda que tenha cessado de pecar, os maus hábitos permanecem na alma e continuam a molestá-la. Por essa razão, a tibieza só é vencida por uma grande força de alma, por uma vontade resoluta e decidida, por um desejo vivo de cessar de ofender a Deus, procurando não apenas fazer o estrito necessário, porque uma grande fogueira não se acende com faíscas lançadas em madeira verde. Se estamos paralisados pela tibieza devemos fazer como o paralítico, recorrendo a quem pode nos carregar e nos conduzir a Nosso Senhor. A subida do paralítico, que se afasta da multidão e se aproxima do Salvador pelo alto da casa é imagem da meditação, pois a meditação nos faz considerar as verdades eternas sob a luz da graça e diminui em nós o fascínio e o apego às coisas do mundo. Pela meditação, em suma, nossa alma se eleva até Deus. Os quatro homens que carregam o paralítico, por sua vez, são imagem das virtudes, pois quem medita se dispõe a praticar a virtude, quem medita adquire as graças necessárias para que a sua veleidade se converta em uma vontade firme e eficaz.
A meditação, caros fiéis, é uma luz pela qual nós vemos a beleza da virtude, a feiúra do pecado, a bondade infinita de Deus, a caridade ardentíssima de Nosso Senhor, a compaixão incomensurável de Nossa Senhora, dentre tantas outras verdades de Fé. A meditação, portanto, é uma espécie de oração pela qual nós nos desapegamos do pecado e adquirimos o fervor. Enquanto não houver meditação em nossa vida espiritual, nada irá nos elevar até Nosso Senhor, porque todas as devoções, se não passam de orações vocais, todas as devoções nos alcançarão apenas a vitória contra a tentação presente, mas não nos darão os meios de extirpar as raízes que aquele vício fincou na alma. A oração vocal, portanto, nos dá uma graça atual contra uma tentação presente; a meditação nos dá a graça de ver a malícia e o horror do pecado em comparação com a bondade e a caridade de Deus, que só merece ser amado, e não ofendido.
Após ter curado o paralítico, Nosso Senhor disse ao paralítico: “[…] toma a tua maca e volta para tua casa.” (Mt. IX, 6) Devemos notar que tanto o Intróito, o Gradual e as antífonas do Ofertório e da Comunhão mencionam a casa de Deus, ou melhor, o templo de Deus. Assim como o paralítico entrou na casa para se encontrar com Nosso Senhor, não há vida espiritual que resista à falta de recolhimento, não há vida espiritual que resista à excessiva frequentação do mundo. Caros fiéis, pela graça santificante, nossa alma é a casa de Deus, é o Templo do Espírito Santo. Se permanecermos apegados às multidões, às modas do mundo, ao espírito do mundo, podemos muito bem frequentar a casa de Deus—a paróquia, a capela—, sem, no entanto, frequentar o nosso próprio interior, onde o Espírito Santo habita pela graça. Frequentar uma igreja, portanto, não quer dizer que já temos vida interior. A vitória contra a tibieza e a aquisição do fervor por uma vontade firme e eficaz não ocorrerá enquanto quisermos ouvir e ver Nosso Senhor sem sair das multidões, sem abandonar o espírito do mundo e as suas modas.