Sermão para o 13º Domingo depois de Pentecostes

Bethlehem a Brasilia, 8 septembri A.D. 2019

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

Viver de ação de graças e não dar a Deus as sobras

Prostrou-se aos pés de Jesus e lhe agradecia.
E era um samaritano.” (Lc. XVII, 16)

Ave Maria.

Divino Menino Jesus.

Ó Maria, concebida sem pecado.

Santo Antônio de Lisboa.

Caros fiéis, o Catecismo nos ensina que um dos fins da Santa Missa é a ação de graças. Nosso Senhor foi pregado à cruz não apenas para reparar o pecado, mas também para dar graças. Enquanto a reparação pertence unicamente a este mundo, enquanto a reparação irá passar, porque não haverá necessidade de reparação no Céu—uma vez que os Santos estão perfeitamente perdoados de suas culpas e de suas penas—, a ação de graças, por outro lado, irá perdurar por toda a eternidade, a ação de graças será o canto de louvor dos Santos, como diz o Salmo: “Cantarei, eternamente, as bondades do Senhor […]” (Sl. LXXXIII, 2) Devemos aprender, portanto, a render graças, devemos começar na terra o que praticaremos por toda a eternidade—como disse Santa Teresinha ao escrever a História da sua alma—, e por este motivo não podemos ignorar o quanto este Evangelho da cura dos dez leprosos tem a nos ensinar sobre a ação de graças.

A primeira circunstância que aparece neste episódio do Evangelho, caros fiéis, é o lugar em que ele ocorreu. Sabemos que os leprosos não podiam viver em lugares habitados, conforme ordenada a Lei do Antigo Testamento (cf. Lev. XIII, 45), razão pela qual costumavam se confinar juntos para conseguirem se ajudar mutuamente em sua doença. Os leprosos do Evangelho, portanto, saíram do seu confinamento e encontraram Nosso Senhor na entrada da aldeia. Aqui já podemos notar que eles tinham Fé. Os leprosos tinham Fé, caros fiéis, porque entraram na aldeia, da qual deveriam manter distância para não contaminar ninguém. Eles tinham Fé porque foram ao encontro de Nosso Senhor, atraídos por Sua fama, e porque gritaram juntos, suplicando a cura, chamando-Lhe pelo título de “Mestre”, isto é, reconhecendo a Sua autoridade. Os leprosos abandonaram o seu isolamento, que representa o pecado, porque o pecado afeta a natureza social do homem e o encarcera no egoísmo. O pecado nos torna preguiçosos, o pecado nos inclina a buscar apenas as consolações e a evitar o trabalho e o sofrimento, o pecado nos impede de nos interessarmos pelas necessidades do próximo. Em suma, o pecado nos afasta do bem comum. Por esta razão, o pecador inveterado só pode ter companhias que cometam os mesmos pecados que ele, que seja tão egoísta quanto ele, como no caso dos leprosos, que viviam juntos, fora da aldeia, longe da sociedade.

E como os leprosos queriam ser curados e tinham Fé, Nosso Senhor lhes ordenou que se apresentassem aos sacerdotes—e esta é a segunda circunstância. Na Lei de Moisés, era necessário que o sacerdote verificasse se um leproso estava limpo de sua doença, para que fosse readmitido à vida social. Portanto, ao enviar os leprosos aos sacerdotes, Nosso Senhor garantiu a sua cura. Ainda que Deus seja o Autor da Lei e não esteja submetido a nenhuma lei positiva, é para o bem dos leprosos que convinha o cumprimento desta prescrição legal, para que pudessem ser readmitidos à vida social e para que o milagre ficasse manifesto, o que renderia mais glória a Deus. Esta mesma pedagogia divina pela qual Deus nos dá o que nos é mais conveniente também se faz presente nos Sacramentos. Como disse Santo Tomás de Aquino: “os Sacramentos foram instituídos em favor dos homens”. Nosso Senhor poderia nos salvar sem o Sacerdócio, sem a Confissão sacramental; mas se quis precisar dos ministros sagrados é para o nosso maior bem.

A terceira e mais importante circunstância do Evangelho, caros fiéis, é a atitude dos leprosos enquanto se dirigiam aos sacerdotes. Os leprosos ficaram curados enquanto andavam, ou seja, eles não apenas chamaram o Cristo de “Mestre” como O obedeceram, e isto antes mesmo de verem a cura. Mas, tão logo perceberam que estavam limpos que continuaram seu caminho até o templo sem voltar para trás, com exceção do samaritano. Podemos imaginar a alegria eufórica dos leprosos ao notarem que sua doença havia desaparecido, razão pela qual preferiram não retornar Àquele que os curou, a fim de chegarem o quanto antes ao templo. Na verdade, os leprosos deram sinais de uma grande Fé quando pediram a cura; todavia, este ato de Fé não se converteu numa vida de Fé ao Se afastarem definitivamente do Autor da sua cura.

E não fazemos nós o mesmo a cada vez que nos aproximamos dos Sacramentos? Se somos católicos, então nos aproximamos dos Sacramentos com Fé, porque o católico crê na eficácia dos Sacramentos. Mas aquele ato de Fé na presença real durante a Comunhão, ou aquele ato de contrição durante a Confissão: qual a sua real duração em nossa alma, qual o seu real influxo em nossa vida espiritual? Se examinarmos os frutos de nossas Comunhões e de nossas Confissões, veremos facilmente o quanto nossa Fé, nossa contrição e as demais virtudes são frágeis como aquelas flores que uma breve chuva destrói. Ainda que seja um bem os atos de virtude que praticamos durante a recepção dos Sacramentos, durante a oração, durante as tribulações e as tentações, não nos basta realizar atos de virtude isolados para que a vida interior possa se manter e progredir, da mesma maneira que uma árvore não deve apenas dar flores, mas frutos. Nossa vida interior, caros fiéis, deve frutificar, não deve se paralisar em intenções ou propósitos ou, quando muito, em atos isolados de virtude. E para isso devemos imitar o samaritano.

Dos dez leprosos curados por Nosso Senhor, o samaritano foi o único que voltou para render graças. De fato, a ação de graças nos faz perceber que nossa vida não nos pertence. A saúde que os dez leprosos recuperaram não passa de um dom gratuito da parte de Deus, e seria injusto alegrar-se com a cura e apresentar-se ao sacerdote sem reconhecer o dom recebido pela gratidão.

A gratidão, portanto, deriva da justiça. Devemos reconhecer que tudo, absolutamente tudo o que somos e temos provém de Deus, o Sumo Bem. Como disse São Paulo: “Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se o não tivesses recebido?” (I Cor. IV, 7) Se a alma não se volta para Deus para agradecê-Lo e louvá-Lo ela se voltará invariavelmente para si mesma, pela vanglória. Se “a humildade é a verdade”, no dizer de Santa Teresa de Jesus, a vanglória, por sua vez, é a mentira, fruto do esquecimento de Deus. Os nove leprosos, que haviam se esquecido de agradecer o Cristo, por acaso não teriam caído na vanglória ao se apresentarem aos sacerdotes? Provavelmente sim, na medida em que a vanglória é fruto do esquecimento de Deus. Devemos, portanto, vigiar nossos pensamentos e palavras para examinar se porventura não cometemos frequentemente este pecado, se porventura não atribuímos a nós mesmos nossas qualidades e as graças recebidas, como se fossem o efeito de nosso mérito diante de Deus.

De fato, na epístola da Missa, ouvimos São Paulo dizer: “[…] se a herança se obtivesse pela Lei, já não proviria da promessa.” (Gl. III, 18) Antes que os judeus tivessem uma Lei para cumprir, Deus já havia prometido gratuitamente o Redentor; não foi o cumprimento da Lei mosaica que mereceu o Redentor, não foi o cumprimento da Lei mosaica que justificou os judeus diante de Deus. A Lei mosaica apenas manteve o povo judeu sob a consciência do pecado, até que o Cristo viesse nos salvar. A Lei mosaica, enquanto tal, não salvava, mas mantinha o povo judeu na expectativa do Salvador. Isso significa que, se podemos adquirir méritos diante de Deus e crescer em graça é somente porque Nosso Senhor nos adquiriu a Redenção. Todos os nossos méritos sobrenaturais estão fundados sobre a absoluta gratuidade da Redenção, sobre a Misericórdia infinita de Deus que nos redime. Sem a gratuidade da Redenção e fora da Misericórdia de Deus não há mérito. E a cada vez que nos glorificamos de um bem sobrenatural que Deus produziu em nós, esquecemo-nos que não há mérito sem a graça, assim como também não há qualidades naturais sem que o Criador as tenha dado.

A gratidão deriva da justiça, porque é justo agradecer a Deus; mas a gratidão é mais do que justiça. Uma dívida de justiça pode ser paga, e após ser paga cessa toda a obrigação. Ninguém deve afeto ou gratidão perpétua a alguém de quem adquiriu com justiça um bem ou um serviço. Por outro lado, nossas dívidas para com Deus não cessam, porque dEle recebemos absolutamente tudo, seja os bens naturais, seja os sobrenaturais, e porque tudo o que Ele nos dá tem por finalidade a nossa união com Ele na luz da glória. Portanto, nossa dívida para com Deus é principalmente uma dívida de caridade, uma dívida que não cessa. Como disse São João da Cruz: “Amor com amor se paga […]” (Explicação do cântico espiritual, estrofe IX).

Em nossa dívida para com Deus, caros fiéis, devemos considerar muito mais o amor com o qual Ele nos ama do que os bens que nos dá. Tudo o que Ele nos dá são efeitos do Seu desejo ardentíssimo de nos dar o Céu, de nos dar o Seu Coração, de fusionar o nosso coração com o dEle, como o ferro que se torna incandescente quando lançado no fogo. A atitude natural de alguém que recebe algum dom é de procurar conhecer quem lhe deu e por que lhe deu. Se compreendemos que tudo, absolutamente tudo o que temos é dom de Deus, teremos um grande desejo de conhecê-Lo e amá-Lo. Esta foi a atitude do leproso samaritano, que voltou para o Autor da sua cura e o adorou. A Fé do samaritano não apenas o curou mas também o salvou.

E a nossa Fé, caros fiéis, a nossa Fé nos cura ou a nossa Fé também nos salva? O católico que “paga” apenas o estrito necessário, que apenas cumpre os preceitos da lei da Igreja—como assistir a Missa nos dias santos e se confessar uma vez ao ano—, este católico se contenta com a contrição durante a Confissão, a adoração durante a Santa Missa, a Caridade durante a Comunhão, mas não faz da vida uma ação de graças, ele não paga com a vida os benefícios de Deus, ele não paga amor com amor. Ao invés de ele se considerar um mendigo diante de Deus, de Quem ele depende perpetuamente, Ele faz de Deus um mendigo, para Quem oferece as sobras da sua vida. Caros fiéis, será que não oferecemos a Deus as sobras daquilo que Nosso Senhor nos dá tão generosamente? Afinal, oferecemos as sobras quando não fazemos questão de chegar mais cedo à Missa, a fim de nos prepararmos devidamente ao Santo Sacrifício. Oferecemos as sobras quando nos apressamos em partir assim que a Missa se conclui. Oferecemos as sobras quando atrasamos consideravelmente a nossa Confissão, quando não fazemos um exame diligente de consciência, quando não cumprimos com prontidão a nossa penitência. Oferecemos as sobras quando temos tempo para navegar irresponsavelmente na internet, mas não somos capazes de rezar sequer o terço do Rosário diariamente. Oferecemos as sobras quando a nossa ajuda material à Igreja não é proporcional às riquezas que Nosso Senhor nos dá. E Deus sabe quantas sobras Lhe oferecemos ao longo do dia e da semana.

Caros fiéis, não façamos de Nosso Senhor um mendigo a Quem damos apenas as sobras, não façamos alguns atos de gratidão diante de bens ou de graças recebidas, façamos da nossa vida uma ação de graças, ofereçamos a nossa vida em gratidão por tudo o que Ele nos deu. A caridade deve de tal modo perpassar, moldar, configurar cada um de nossos atos que toda a nossa vida deve ser uma sinfonia em louvor de Deus. Santa Elisabete da Trindade disse que não queria ser mais do que o “louvor da glória de Deus”. De fato, não temos outro fim senão o de sermos meros instrumentos da auto-glorificação de Deus: Deus nos dá a graça e Ele quer nos dar a graça a ponto de não sermos mais do que instrumentos nas mãos do Espírito Santo, instrumentos de um louvor incessante e perfeito.

Para tanto, devemos pedir a graça de não sermos mais mesquinhos na vida espiritual, devemos lutar contra esta pequenez de coração que nos move a dar apenas o estrito necessário, devemos nos ver como mendigos diante de Deus, ao invés de fazer de Deus um mendigo a Quem se dá as sobras e se reserva o melhor para si. Não podemos nos reservar nada, nem o tempo, nem o dinheiro, nem as qualidades e sequer o sentido da vida. Não temos outro fim senão a união com Deus e tudo o que fazemos deve se ordenar a este fim. Peçamos a Nosso Senhor, nosso divino Médico, que durante esta Santa Missa Ele nos cure desta lepra espiritual pela qual nós queremos sempre guardar o melhor para si, pois quem guarda a própria vida para si permanecerá para sempre leproso diante de Deus.

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