Sermão para o 4º Domingo depois de Pentecostes

Bethlehem a Brasilia, 7 julii A.D. 2019

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

Trabalhar com Nosso Senhor para descansar em Nosso Senhor

“Mestre, trabalhamos a noite inteira e nada apanhamos; mas por causa de tua palavra, lançarei a rede.” (Lc. V, 5)

         Ave Maria.

         Divino Menino Jesus.

         Ó Maria, concebida sem pecado.

         Santo Antônio de Lisboa.

Caros fiéis, para meditarmos a narrativa da pesca milagrosa, que serve de Evangelho para o IV domingo após Pentecostes, notemos primeiramente o contraste entre o primeiro e o segundo versículo deste capítulo de São Lucas. De um lado, as multidões que se comprimem para ouvir Nosso Senhor falar da palavra de Deus (cf. Lc. V, 1); de outro, os pescadores que consertam as redes às margens do lago, após uma noite frustrada, sem peixes (v. 2). De um lado, Nosso Senhor “pesca” as almas sem esforço: elas vêm até Ele, atraídas pela Sua doutrina e por Seus milagres; de outro, os peixes “fogem”, por assim dizer, dos pescadores, apesar da experiência e do esforço que fizeram durante toda a noite em alto mar. De um lado, Nosso Senhor prega à multidão durante o dia, Ele que é a luz do mundo (cf. Jo. VIII, 12); do outro, os pescadores em alto mar durante toda a noite, quando Simão Pedro ainda não era apóstolo, apesar de já conhecer o Messias. O contraste entre Nosso Senhor e os pescadores nos permite facilmente concluir que o Redentor faz com as almas o que os pescadores não fizeram com os peixes, ou seja, Ele atrai uma multidão de almas com facilidade, sem esforço; e isso é ainda mais importante quando nos recordamos da promessa que Nosso Senhor anuncia, pouco depois, a São Pedro, a saber: “[…] doravante serás pescador de homens.” (Lc. V, 10)

Por essa razão, a pregação que precede a pesca milagrosa, caros fiéis, parece-nos mais dirigida àqueles que seriam em breve chamados ao apostolado do que ao próprio povo ouvinte. Se Nosso Senhor pregava a palavra de Deus com autoridade e sabedoria, se curava doentes e expulsava demônios, não poderia também ajudar os pescadores a pescarem com sucesso? Certamente poderia, como também pôde ajudar os noivos que ficaram sem vinho em suas bodas (cf. Jo. II, 3 ss.), dia em que Nosso Senhor operou o Seu primeiro milagre. Mas à diferença da Santíssima Virgem, que guardava todas as palavras do seu Filho em seu coração (cf. Lc. II, 51), e que nas bodas apresentou ao Cristo o drama dos esposos sem mais vinho, à diferença da Santíssima Virgem os pescadores parecem não ouvir o Cristo pregando, pois como diz o Evangelho, eles consertavam as suas redes à beira do lago. Os pescadores estavam concentrados em seus instrumentos de trabalho e aparentemente não perceberam que o Criador do céu e da terra, Deus encarnado, estava a poucos passos deles pregando, pois, se tivessem percebido, não seria natural que largassem as redes e fossem ouvi-Lo?

Caros fiéis, a obstinação dos pescadores em lavar e consertar as redes—apesar de ser uma prática necessária da profissão—, esta obstinação deles em presença da divina pregação do Cristo não deixa de ser uma imagem da nossa obstinação, da nossa teimosia em pretender conquistar o que quer que seja sem solicitá-lo a Nosso Senhor. Nós também “lavamos e consertamos as redes” depois de “pescarias frustradas” seja na vida particular seja no apostolado de cada um. Confiamos em nossos instrumentos, nossos meios, nossas capacidades, nossa experiência, nossas alianças, nossas estratégias e não queremos perceber que esta auto-confiança, esta auto-referencialidade, esta auto-suficiência se opõe àquela palavra de Nosso Senhor: “Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.” (Jo. XV, 5)

Observemos, caros fiéis, que não há exceções para o Redentor: não podemos fazer nada de meritório sem Ele; e se pretendemos fazer o que quer que seja neste mundo no âmbito natural—os negócios, por exemplo—, ainda que a graça não seja necessária para a consecução de um bem pertencente a este mundo, no entanto, não nos esqueçamos de que a vida deste mundo está ordenada à eternidade, de modo que tudo o que for produzido sem a graça será perdido para a eternidade e não poderá perdurar sem o auxílio da Providência e sem atrair para si, cedo ou tarde, os castigos desta mesma Providência.

Eis aqui o nosso primeiro exame particular: procuramos ouvir Nosso Senhor falando à nossa consciência ou somos presunçosos, empreendendo as atividades da vida particular e mesmo o apostolado sem nos preocuparmos com a vida de oração? Temos vida de oração ou a oração ocupa um lugar incerto em nossa rotina, o que facilmente nos conduz a não lhe dar lugar nenhum? Somos capazes de começar o dia sem saber quando iremos rezar? Enfim, fazemos parte da multidão que ouve o Salvador, ou dos pescadores frustrados, que consertam suas redes concentrados apenas no que fazem? Pois se fazemos parte dos pescadores frustrados, é preciso saber, caros fiéis, que a consequência natural do ativismo e da presunção é o cansaço e a tristeza. Quem não se esforça para rezar termina fazendo mal tudo o que pretendia fazer às custas do tempo que pertencia à oração.

Dito isso, observemos que, ainda que os pescadores não tenham interrompido o seu trabalho para ouvirem o Salvador pregando, ainda que tenham preferido o trabalho de suas mãos a ter que pedir o auxílio da graça, Nosso Senhor Se aproxima dos pescadores para subir em um dos barcos. Deus sobe em um barco; Aquele que anda sobre as águas (cf. Mt. XIV, 25) e dá ordem aos ventos (cf. Mc. IV, 39) sobe em um barco; Aquele que atrai multidões sem dificuldades Se vê na necessidade de um barco. Na verdade, Nosso Senhor seria visto mais facilmente sobre o barco; e dado o efeito acústico da água, Ele seria escutado claramente por todos, sem muito esforço da Sua parte. Ao Se aproximar dos pescadores e subir na barca de São Pedro, imagem da Igreja católica, a única Igreja de Cristo, Nosso Senhor quer nos ensinar que, se não podemos desprezar a graça, a vida de oração, o estudo da nossa santa Religião, Ele também não despreza todos aqueles meios pelos quais quer que a graça aja e atue. Deus quer Se servir daqueles pescadores, daquelas redes e daquelas barcas; mas antes os pescadores deveriam ter ouvido o Salvador. A vida de oração deve preceder a ação, permear a ação, purificar, santificar e conservar a ação para que não se corrompa em seu fim, em seus meios e em suas circunstâncias. Como diz o Salmo (CXXVI, 1): “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem.” A propósito, no Evangelho, Marta não foi repreendida por Nosso Senhor por causa dos afazeres domésticos, porque os afazeres eram o seu dever de estado; foi repreendida, porém, pela sua inquietação (cf. Lc. X, 41), pois tinha a presunção de servi-Lo sem antes ouvi-Lo.

Se Nosso Senhor sobe na barca, caros fiéis, então Ele deve necessariamente dirigir a barca. Não apenas a barca de Pedro, isto é, a Santa Igreja, da qual Ele é o Cabeça invisível, mas todas as atividades de um católico. Portanto, se Nosso Senhor vive em nossa alma pela graça, ele deve reinar nela pelo exercício da vida espiritual. Muitos se contentam apenas em fazê-Lo viver em sua alma e não se importam em deixá-Lo governar. Não basta que uma ação seja honesta em si mesma; se Nosso Senhor não nos governa, o principal opositor do bem que pretendemos fazer sem vida de oração é o próprio Deus, uma vez que de nada vale fazer grandes obras sem a caridade, como disse São Paulo: “Ainda que distribuís­se todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!” (I Cor. XIII, 3)

Tal ativismo ingênuo não deixa de ser a causa de muitos males especialmente para o apostolado católico, porque sem vida de oração sólida, o que governa um católico é a precipitação. A precipitação é um vício pelo qual a alma não age com prudência por se deixar arrastar pela impetuosidade da vontade ou das paixões. Portanto, ainda que um católico queira trabalhar pelo Reinado Social de Nosso Senhor, suas ações não poderão perseverar por muito tempo neste fim ou não terão grande eficácia caso a vontade e as paixões não estejam continuamente submetidas à graça, pelo exercício da vida interior. Sem esta vida interior, pouco a pouco o amor-próprio desordenado corrompe o fim de uma ação; e o fracasso de obras aparentemente piedosas e bem intencionadas é um castigo da Providência àqueles que quiseram trabalhar por Nosso Senhor sem se deixar governar por Ele.

Dito isso, caros fiéis, não permitamos que Nosso Senhor suba à barca sem deixá-Lo governar. Se Ele sobe à barca da nossa alma é para governá-la, e por isso diz o Evangelho que Ele Se senta (Lc. V, 3), porque sentar-se é um sinal de autoridade. Mas antes de Se sentar, isto é, antes de governá-La como Seu capitão, Nosso Senhor ordena a Simão Pedro para que a afaste um pouco da terra. E uma vez que a barca estava suficientemente afastada, Ele Se sentou e pregou. Já tratamos do efeito acústico das águas para a pregação do Salvador; mas notemos também que Nosso Senhor prega sobre as coisas do Céu afastado da terra; fala do Reino de Deus afastado das turbas a quem Se dirige.

O que isso quer dizer senão a necessidade do desapego do mundo? É impossível, caros fiéis, que Nosso Senhor nos faça santos se não O deixamos afastar a barca da nossa alma das coisas e preocupações deste mundo. Infelizmente mesmo os bons católicos frequentam excessivamente o mundo. E de nada adianta defendermos o Reinado Social se ainda estamos bastante apegados às vaidades deste mundo, porque mesmo uma sociedade católica não impediria um coração mundano de continuar cego diante dos vícios. Lembremo-nos que o primeiro pecado ocorreu paradoxalmente no Paraíso terrestre, ao passo que durante os piores ataques da Maçonaria contra a Igreja na Itália do século XIX, a cidade de Turim parecia um celeiro de santidade graças a sacerdotes de oração como São João Bosco, dirigido espiritual de São José Cafasso, amigo de São José Cottolengo e de São Leonardo Murialdo, mestre de São Domingos Sávio e co-fundador com Santa Maria Mazzarello.

E aqui podemos fazer nosso segundo exame particular: será que ainda não somos mundanos? Não passamos muito tempo consumindo, produzindo ou compartilhando as futilidades do mundo, especialmente nos ambientes virtuais? Nosso linguajar, nossos comportamentos, nossas vestimentas, nossos gostos—a música, os filmes—ainda não são mundanos em maior ou menor grau? Se queremos que Nosso Senhor esteja na barca de nossa alma e não aceitamos que Ele a afaste da terra, até quando pretendemos conciliar o irreconciliável, o Espírito Santo com o espírito do mundo? Talvez um dos motivos que ainda nos retém nesta conciliação impossível entre o Espírito Santo e o espírito do mundo sejam certos autores que costumamos ler ou acompanhar, cujo mundanismo nos impede de crescermos em pureza e caridade.

E depois que Nosso Senhor afastou da terra a barca de São Pedro, Ele a afasta uma segunda vez ordenando-lhe para avançar mar adentro. A obediência à palavra de Nosso Senhor, que fala à nossa consciência durante a oração, e a purificação do espírito do mundo são as condições para que o Salvador reproduza, na vida de cada católico, os efeitos prodigiosos da Sua graça, como na pesca milagrosa. É no isolamento e na solidão do alto mar que o milagre ocorre, quando os pescadores só têm Nosso Senhor para ouvir, quando confiam mais nEle do que em suas redes ou em sua experiência. Do mesmo modo, quando uma alma reza e resiste ao espírito do mundo, quando uma alma confia em Deus e despreza a própria opinião ela age com pouco esforço e muito lucro, porque é Deus que age por meio da alma orante e lhe poupa de toda vã agitação.

As redes mal puderam conter a abundância de peixes na pesca milagrosa; em contrapartida, antes que Nosso Senhor subisse à barca, não estavam os pescadores consertando as redes à margem do lago? Pois não eram as redes que precisavam ser reparadas, mas os próprios pescadores, que quando ouviram e obedeceram o Cristo, fizeram com Ele uma obra tão prodigiosa que pouco dependeu de suas redes ou de sua experiência.

E como as redes estavam para se romper, tamanha a quantidade de peixes, os pescadores da barca de São Pedro acenam aos que estão na outra barca, a fim de que venham ajudá-los. Assim também, aquele que quiser fazer bem ao próximo não terá o que oferecer ao próximo senão daquilo que Nosso Senhor lhe dá, e à medida em que Nosso Senhor lhe dá. De uma vida interior sólida e profunda vem as mais santas amizades e os mais fecundos apostolados. Mas se não houver vida interior, o que teremos para oferecer ao nosso próximo? Um católico que não se importa com a vida interior em suas amizades ou no apostolado é como a barca de São Pedro antes da pesca milagrosa: não tem nada a oferecer senão redes vazias e trabalho frustrado.         

Não obstante, caros fiéis, ao atracarem as barcas à terra, eles deixam tudo e O seguem (Lc. V, 11), renunciando às barcas e aos peixes. Se o milagre foi estupendo, mais admirável ainda seria deixá-lo para trás e aderir à Pessoa de Nosso Senhor sem pedir nenhuma recompensa para si senão a graça de possuí-Lo. É o que esperamos fazer, com o auxílio da graça, trabalhando com Nosso Senhor e descansando apenas nEle.