Sermão do Domingo depois da Ascensão

Bethlehem a Brasilia, 2 junii A.D. 2019

Por Pe. Ivan Chudzik, IBP.

Pela virtude da Fé, habitaremos espiritualmente com o Cristo no Céu e venceremos os Seus inimigos na terra

         Se considerarmos apenas com os olhos da carne o mistério da Ascensão, não encontraremos motivos para a Igreja se alegrar com a subida de Nosso Senhor ao Céu. Afinal, passados quarenta dias da Sua Ressurreição, o Salvador Se separa dos discípulos para Se sentar à direita de Deus Pai, deixando-os como que órfãos sobre a terra até a vinda do Espírito Santo. Em outra passagem do Evangelho, Nosso Senhor disse que quando o esposo for tirado da presença dos amigos, então os seus amigos jejuarão, mas não enquanto ele estiver presente (cf. Mt. IX, 15). Não seria então o caso de a Igreja celebrar a Ascensão com os paramentos roxos, manifestando assim uma certa tristeza, quiçá um certo luto, pela perda da presença visível do Seu divino Esposo?

         Ora, se julgamos que a Ascensão de Nosso Senhor significa a perda da Sua visibilidade, razão pela qual devemos nos entristecer, então já não somos católicos, mas protestantes. O Salvador subiu ao Céu e abandonou a terra, cessando o convívio com os discípulos. Não obstante, ¿Quem ascendeu ao Céu senão o Cabeça da Igreja, e quem somos nós senão os membros da Igreja? Se Nosso Senhor adentrou no Céu, então também nós adentramos por Ele, porque somos membros dAquele que Se sentou à direita do Pai. Pela graça, a natureza divina nos foi comunicada desde o Batismo, porque a graça é uma participação à vida divina. A partir da Encarnação é o próprio Deus que assume a natureza humana e Se faz homem; porém, pela Ascensão a natureza humana do Cristo é glorificada no Céu, recebendo a glória que cabe ao próprio Deus, uma vez que se trata da humanidade do Verbo, instrumento da Redenção. A Ascensão glorifica a natureza humana e assim humilha a ação do demônio, que quis a perdição do homem e a sua queda no inferno.

         A partir da Ascensão, a Igreja tende para o Céu como é natural que um corpo tenha uma cabeça, ou que uma noiva se case com o seu noivo. Se não criarmos obstáculos à vida da graça em nossa alma, ela nos fará aspirar pelo Céu, nossa Pátria, onde nos uniremos ao nosso Redentor, que nos precede, na luz da glória. Portanto, se vivemos na graça, a Ascensão se torna um motivo de alegria, porque sabemos que a glória do Cristo será a nossa também. Com efeito, a graça é o começo da glória; quem vive na graça pode esperar, um dia, a posse da glória, e quanto maior for a graça maior também será o desejo da glória. Disse São Paulo: “Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?” (Rm. VII, 24) Não é por desprezo do mundo criado ou do corpo humano que devemos desejar o Céu, mas por desejo de dar à natureza humana, corpo e alma, a felicidade do Céu, onde não será mais possível ofender a Deus.

         Não obstante, ainda que a Igreja seja atraída pelo seu divino Esposo para a Pátria celeste, não podemos negar que a Ascensão fez cessar a presença visível de Nosso Senhor e o Seu convívio com os discípulos, o que seria um motivo de tristeza. Mas tal tristeza seria justificável apenas no caso de Nosso Senhor não ter nos deixado a doutrina revelada, o Sumo Pontífice, o Magistério, a Hierarquia sagrada, os Sacramentos e tudo aquilo que realiza a visibilidade da Igreja. Com efeito, o que é a doutrina católica senão a doutrina que Nosso Senhor ensinou e que a Igreja deve guardar e explicitar? Quem é o Pontífice Romano senão, como disse Santa Catarina de Sena, “o doce Cristo na terra”, o Seu Vigário e Cabeça visível da Igreja, que apascenta o rebanho no lugar e em nome de Nosso Senhor? O que faz a Hierarquia da Igreja senão continuar o poder de Cristo de ensinar, governar e santificar? E o que fazem os Sacramentos senão nos comunicarem os efeitos da Paixão de Nosso Senhor, sendo a Santíssima Eucaristia a Sua presença real sob as aparências do pão e do vinho? O Salvador não subiu ao Céu sem antes ter comunicado a Sua visibilidade à Igreja, Seu Corpo Místico, a fim de não peregrinarmos “às escuras” até entrarmos na luz da glória. Como ensina São Leão Magno: “Tudo o que era visível em nosso Redentor passou para a ordem dos Sacramentos: e a fim de que a nossa Fé fosse mais excelente e firme, a doutrina substituiu a visão, cuja autoridade—a da doutrina—, iluminada por provas celestes, atrairia os corações dos fiéis.” Deste modo, antes de aumentar nossa Esperança e desejo do Céu, a Ascensão nos obriga a exercer mais intensamente a Fé, uma vez que aquilo que vemos são os instrumentos da ação de Nosso Senhor na Igreja—o Seu Vigário ou os Seus Sacramentos—, mas não a graça de Deus agindo, pois esta é invisível. A Fé crescente na doutrina da Igreja, unida à recepção frequente dos Sacramentos, irá nos conduzir ao firme desejo de ver um dia no Céu as realidades que tocamos veladamente enquanto estamos neste vale de lágrimas.

         Mas se a Ascensão nos obriga a exercermos mais intensamente a Fé e nos conduz ao firme desejo do Céu, é possível subir com Nosso Senhor, ainda nesta vida, graças à caridade. Assim pede a Igreja na Coleta da Missa, a saber: que habitemos no Céu, nós também, mas em espírito. De fato, só irão migrar para a Pátria celeste após a morte aqueles que, durante a vida, habitaram em espírito no Céu, rejeitando a concupiscência da carne, a vaidade do mundo e as tentações do demônio, conforme o ensinamento de São Paulo: “Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima, e não às da terra.” (Col. III, 1) O mesmo ensinamento é confirmado em um belo sermão de Santo Agostinho: “Devemos saber, irmãos, que com Cristo não sobe a soberba, nem a avareza e tampouco a luxúria: nenhum de nossos vícios sobe com o nosso médico. Portanto, se desejamos seguir o nosso médico após a Ascensão, devemos depor os vícios e os pecados. Estes como que com correntes nos prendem e procuram nos amarrar com as suas redes.”

         Ora, somente a caridade, isto é, o amor de Deus, poderá nos desprender das cadeias dos nossos vícios e nos unir espiritualmente ao Cristo ressuscitado no Céu.  Quem ama a Deus odeia necessariamente na mesma medida tudo aquilo que se opõe à caridade. A caridade nos inclinará ao combate espiritual, assim como o combate espiritual nos fará merecer o aumento da caridade.

         Mas se São Paulo diz que devemos nos “afeiçoar às coisas do alto”, como podemos amar o que não vemos? Não vemos a Santíssima Trindade, não vemos a humanidade do Verbo, não vemos a Santíssima Virgem, os Anjos e os Santos. Por outro lado, o que é a Fé senão, como também ensina o apóstolo, “[…] a certeza a respeito do que não se vê” (Hb. XI, 1)? Antes de entrarmos na luz da glória no Céu, na terra vivemos sob a luz da Fé, cuja certeza é mais segura do que a própria certeza metafísica, uma vez que se funda na autoridade de Deus revelante. Para exercermos a Fé, desde a Ascensão Nosso Senhor Se ocultou dos olhos da nossa carne; e a mesma Fé que nos conduz a uma Esperança firme também nos eleva a uma caridade ardente para com o Cristo ressuscitado, com Quem devemos habitar espiritualmente no Céu, fazendo da nossa alma um céu pelo exercício da vida interior.

         Eis o resumo da nossa meditação: se Nosso Senhor subiu ao Céu, então façamos da nossa alma um céu; elevemo-nos com Ele pelo exercício da vida interior para que Ele Se digne descer à nossa alma com o Espírito Santo, que difunde a caridade em nossos corações (cf. Rom. V, 5).

         Torna-se claro, portanto, que só iremos nos afeiçoar às coisas do alto quando exercermos assiduamente o fundamento da Caridade e da Esperança, que é a Fé.

         Mas como exercer a Fé sem pôr continuamente diante dos olhos os bens espirituais? Como exercer a Fé sem conhecer suficientemente a doutrina católica, sem leitura espiritual quotidiana, sem meditação matinal? Como exercer a Fé sem fazer contínuos atos de Fé nas tribulações e dificuldades da vida? Como exercer a Fé sem frequentar regularmente os Sacramentos da Confissão, sem comungar sempre que possível, ou pelo menos sem fazer muitas vezes a Comunhão espiritual? Como exercer a Fé se basta a tentação se apresentar para que sucumbamos e façamos o edifício espiritual ruir sem oferecer resistência?

         Por outro lado, não exerce a Fé quem passa longo tempo vendo imagens ou vídeos religiosos nos ambientes virtuais, porque a curiosidade é um vício que também pode ser saciado com objetos piedosos. Não exerce a Fé quem estuda questões difíceis, quando não reservadas da Teologia católica, como a Moral ou a Demonologia, porque dificilmente tal estudo produzirá um bem para a vida interior, uma vez que é mais fácil fazer mal uso ou crescer em orgulho espiritual por causa deste conhecimento. Não exerce a Fé quem faz da Religião católica uma mera militância por pautas conservadoras, porque o que vence o espírito revolucionário não é uma simples agenda anti-revolucionária, mas a dilatação da vida interior nas almas. Sem vida interior, o combate ao progressismo não passará de uma “queda-de-braço” em que os católicos deverão empregar os mesmos meios políticos que os seus adversários; e uma vez que os adversários são mais numerosos, dotados de grande astúcia e dispõem de poder político e de reservas financeiras, os católicos que enveredarem pela falsa solução da militância em breve verão que são incapazes de conter o dilúvio de males que assolam o mundo. Se o demônio tenta as almas ao ativismo é porque espera conduzi-las ou ao desânimo dos que desistiram ou à infidelidade dos que fizeram acordos com o mundo sob o medo de não triunfarem em suas iniciativas. Pelo ativismo o demônio afasta a alma da vida de oração, convencendo-a primeiramente que “não basta rezar”, para em seguida convencê-la de que “não precisa rezar”. Pelo ativismo a alma tem a impressão de “fazer algo”, e não raro de fazer “grandes coisas”; e como isto satisfaz o orgulho, um católico pode multiplicar as obras julgando defender a Fé e praticar a Religião, quando, na verdade, não avança na vida espiritual e tampouco converte os outros. Observamos esta falta de espírito de Fé na torrente de denúncias contra o Clero que, desde o ano passado, pupularam nos ambientes virtuais, por múltiplas iniciativas. Ainda que certos escândalos ou heresias sejam fatos registrados, a sua denúncia, unida a um espírito beligerante e ofensivo, não trouxe nenhuma solução verdadeira à questão. De um lado, a justiça esperada pelos denunciantes não ocorreu; do outro, vigora entre os católicos um espírito de contestação, de baixaria e de ativismo que atinge mesmo os sacerdotes idôneos, não raro criticados por não satisfazerem o gosto de suas ovelhas. Uma análise mais atenta perceberá que os cidadãos apenas se uniram no ódio comum ao Comunismo e à Teologia da Libertação, mas estão profundamente divididos em matéria de Fé. Ora, assim como é possível se perder para sempre por causa do Comunismo, também é perfeitamente possível se perder defendendo qualquer outra heresia, ainda que em oposição radical ao Comunismo. Enquanto a pauta anti-comunista não exige nenhuma profissão de Fé, o apostolado católico, por sua vez, só existe onde há a integridade da Fé, onde nenhum princípio é sacrificado em nome de acordos vantajosos com mundanos. Se queremos exercer a Fé no apostolado, não podemos submeter o nosso Credo a nenhum compromisso, precisamos fazer o apostolado nascer de uma profunda vida interior e devemos expor as questões graves conduzindo nossos ouvintes ao exercício da vida interior como verdade solução aos problemas, e não a um ativismo bastante danoso para as almas. Na verdade, não haveria crise se a Providência não permitisse; se ela permite é a fim de castigar a sociedade dos seus pecados. A diferença entre o apostolado e o ativismo militante é que o primeiro se porta diante da crise com espírito de Fé, enquanto que o segundo não vê mais do que forças humanas num embate político. Lembremo-nos que quando Moisés foi pedir ao faraó a libertação do povo era o próprio Deus que endurecia o seu coração, como lemos na Escritura: “Mas eu endurecerei o coração do faraó, e multiplicarei meus sinais e meus prodígios no Egito.” (Ex. VII, 3) Era Deus que não queria a libertação imediata dos hebreus, a fim de que os castigos rendessem a conversão dos egípcios. Enquanto não compreendermos que a crise e a solução da crise dependem ambas da Providência, continuaremos afundados num ativismo que quer vencer os adversários à força, custe o que custar, sem perceber que Deus endurece o coração de uns e ignora a militância de outros. Por mais grave que seja a crise, tenhamos espírito de Fé e nos recordemos do que diz o Salmo (II, 2; 4): “Erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo. […] Aquele, porém, que mora nos céus, se ri, o Senhor os reduz ao ridículo.”

         A virtude da Fé, que nos conduz à Esperança e dela à Caridade não apenas nos fará habitar espiritualmente com o Cristo no Céu; ela também nos permitirá reinar com Aquele que está sentado à destra de Deus Pai, sem temer os inimigos e tampouco sem se comprometer com eles.

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