Sermo in festo Epiphaniæ
Bethlehem a Brasilia, 6 januarii A.D. 2019
Deus Se manifesta a nós todos, mas nem todos correspondem à graça
Talvez ainda nos lembremos do Evangelho do último domingo do ano litúrgico—muito semelhante, aliás, ao do primeiro do Advento—que tratava da Segunda vinda de Nosso Senhor, a qual será, “cum potestate magna”, isto é, com grande poder. O capítulo de São Mateus do qual se serve a Liturgia naquele domingo diz: “[…] este Evangelho do Reino será pregado pelo mundo inteiro para servir de testemunho a todas as nações […]” (Mt. XXIV, 14); mas na sequência do relato ouvimos o evangelista acrescentar o seguinte: “Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade.” (v. 30)
Não é em vão que nos recordamos hoje do Evangelho do fim do mundo, porque se na Segunda vinda haverá um “sinal no céu” que causará o choro de todas as nações—apesar da doutrina católica ter sido pregada a todos—, hoje, na festa da Epifania, a Igreja comemora os primeiros sinais, ou melhor, as primeiras manifestações de Nosso Senhor ao mundo, a saber, a adoração dos reis magos, o Batismo no Jordão e o primeiro milagre nas bodas de Caná. Assim, até chegar o dia em que “aparecerá no céu o sinal” que anuncia a Segunda vinda do Redentor e não houver mais tempo para as nações se converterem, é preciso considerar que, desde a Sua Primeira vinda, Nosso Senhor não cessa de operar sinais para atrair a Si as nações. Donde o Intróito de hoje dizer: “Eis que vem o Senhor dominador”, porque o Menino que Se manifestou aos magos é o mesmo que Se manifestará “com glória e majestade” no último dia. Mas se Nosso Senhor não cessa de Se manifestar desde a Sua Primeira vinda, então não apenas as nações, mas também cada um de nós não estará desculpado por ter correspondido tão imperfeitamente à graça.
Enquanto no mistério do Natal vemos os Anjos evangelizando os pastores sobre o nascimento do Salvador; hoje, no mistério da Epifania, vemos uma estrela guiando os magos; o que devemos interpretar, segundo o comentário de São Gregório Magno, que as profecias convém aos que têm Fé, enquanto os sinais convém aos que ainda não a têm. Mas seja por profecias seja por sinais, importa notar que tanto os pastores quanto os magos foram advertidos do nascimento do Salvador. Afinal, diz São Paulo a Timóteo: “[Deus] deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.” (I Tm. II, 4)
É verdade, porém, que Deus Nosso Senhor não pode querer a salvação, por exemplo, dos condenados; mas antes que fossem condenados, ou melhor, fazendo abstração da sua condenação, podemos guardar o sentido universal do versículo e afirmar com São Paulo que Deus quer a salvação de todos, ainda que não queira mais salvá-los, mas condená-los, uma vez que a morte os encontrar em pecado grave. Na doutrina de Santo Tomás, Deus quer a salvação de todos por vontade antecedente, isto é, antes de considerar as circunstâncias da vida de cada um, e não por vontade consequente, isto é, após ter considerado o rumo que que a vida de cada um teve. O que significa que ao longo de nossa vida, enquanto houver tempo de nos salvarmos ou nos perdermos, Nosso Senhor nos dará graças atuais em ordem a nossa salvação, normalmente respeitando as circunstâncias particulares da nossa vida, o que nos faz pensar novamente no comentário de São Gregório: aos pastores, que tinham Fé, Deus enviou os Anjos; aos magos, que eram pagãos, a estrela.
Não obstante, a aparição de um Anjo ou de uma estrela certamente não deixa de ser algo extraordinário, prova de que aos pastores e aos magos a Providência quis confiar graças maiores. Em contrapartida, ouvimos também no Evangelho que a estrela guiou os magos até Jerusalém, quando desapareceu, obrigando-os a interrogarem os judeus sobre o nascimento do Salvador. Estes, por sua vez, após terem consultado as Escrituras, concluíram que Ele deveria nascer em Belém de Judá, mas os únicos a se dirigirem até o lugar do Seu nascimento foram os magos, e não os judeus. Ao comentar este episódio, Santo Agostinho nota que os judeus apenas conservavam os livros sagrados, porque, enquanto permaneciam cegos para o seu sentido, foram os magos que deles receberam instrução. Assim, podemos facilmente concluir que a Providência deu aos judeus, pela visita dos magos, a ocasião, ou melhor, a graça de renunciarem a sua cegueira e fazerem um ato de Fé no Messias, graça esta que eles preferiram rejeitar. Apesar disso, o evangelista acrescenta que Herodes simulou interesse em adorar o Messias, pedindo aos magos para retornarem após tê-Lo encontrado (cf. Mt. II, 8), o que o torna ainda mais culpado, pois enquanto os judeus simplesmente não quiseram adorar, Herodes, por sua vez, quis assassinar o Menino Deus.
Dito isso, pouco a pouco, o mistério da Epifania se desvenda para nós e se converte no mistério da ação da Providência na História: Deus quer nos salvar, e para tanto Ele nos dá sem cessar, ao longo da nossa vida, graças atuais para alcançarmos a nossa salvação; mas se aos Anjos e aos magos esta graça foi extraordinária, uma clara manifestação de Deus, para nós outros, esta manifestação é ordinária, e se dá pela voz da consciência, pela oração, pela pregação da Igreja, pelos exemplos e intercessão dos Santos e do nosso próximo e por toda e qualquer via de que a Providência quiser se servir para nos alcançar uma graça atual, como a consideração da beleza de uma igreja ou a leitura de bons livros católicos. No domingo da Epifania, devemos concluir que Deus também Se manifesta ordinariamente a nós; e enquanto os magos viram a estrela e a seguiram, sonharam por inspiração divina e obedeceram, devemos pedir a mesma graça de executar fielmente com a vontade aquilo que Nosso Senhor apresentar à nossa inteligência, como diz a oração pós-Comunhão: alcançar, com espírito purificado, os mistérios que celebramos.
Afinal, se considerarmos que Nosso Senhor Se manifesta ordinariamente em nossa vida dando-nos sempre graças atuais para alcançarmos a nossa salvação e crescermos na graça santificante, perderão importância para nós certas aparições não aprovadas pela Igreja, casos de exorcismo, ou o simples desejo de receber dons extraordinários, como fazem os católicos de veio pentecostal, porque além da curiosidade, vaidade e ilusões a que estamos expostos procurando manifestações preternaturais ou sobrenaturais, esquecemo-nos de que apenas as graças ordenadas à justificação da alma que realmente importam; e como a graça não se vê, devemos nos conformar à luz da Fé até que cheguemos, como diz a Coleta da Missa, a contemplar o esplendor da Majestade divina.
Não obstante, se é certo que Nosso Senhor Se manifesta ordinariamente a nós dando-nos graças atuais em ordem à nossa salvação e santificação, podemos tirar deste princípio um certo consolo diante da crise sem precedentes pela qual a Igreja passa nas últimas décadas. Com efeito, por que são tão poucos os que buscam a Deus e se convertem? Certamente não por falta de graça, mas por falta do uso da inteligência e da vontade, visto que Nosso Senhor não pode falar a uma sociedade entregue às paixões, que obedece aos instintos e não à inteligência. Se sairmos agora desta igreja e consultarmos um cidadão qualquer, de passagem à nossa frente, interrogando-o sobre o sentido da existência, sobre a brevidade dos prazeres e da posse de bens materiais, sobre a existência da verdade, da alma imortal ou da vida eterna, que reação este nosso interlocutor hipotético teria? Provavelmente de grande espanto. Todavia, nenhum de nós pode se fazer de surpreso com estas questões, porque elas são fundamentais para a existência humana. Se há questões que não podem ser esquecidas ou preteridas são justamente as relacionadas à finalidade da existência. Mas se perguntássemos sobre qualquer outro assunto—a localização de um endereço ou quem sabe a opinião do nosso interlocutor sobre o atual governo—, dificilmente haveria surpresa, o que mostra o quão grave é a crise atual, pois nossos contemporâneos se arriscam a viver dia após dia sem se interrogarem sobre o sentido da vida. Talvez por esta razão a nossa sociedade dê tanto valor aos animais, porque nossos contemporâneos se esqueceram que têm alma imortal.
É por essa razão que nós, católicos, não podemos aceitar em hipótese alguma a solução proposta por pseudo-eruditos desde o século XIX, quando surgiram os primeiros estudos de religião comparada e a tentativa de se encontrar a seiva comum entre todas as religiões, aquilo que eles chamam de unidade transcendental das religiões, teoria muito em voga atualmente no Brasil, inclusive com representantes no atual governo federal. Os limites geográficos da Religião católica desde os seus primórdios ou a apostasia moderna não são a prova de que devemos encontrar religiões paralelas pelas quais também seja possível o acesso à salvação, uma vez que a maior parte dos homens não ouviu falar de Nosso Senhor. O mistério da Epifania mostra que Deus Se revela, mas enquanto um Herodes quis matar o Messias, três reis vieram de muito longe para adorá-Lo; enquanto os pastores, em sua simplicidade, ouvem os Anjos, os judeus, em seu orgulho, não cumprem as Escrituras.
A ação da Providência não deixará de ser para nós um mistério insondável, porém se o homem não quer ouvir a voz de Deus na inteligência, não culpemos o Menino Jesus por não ter Se manifestado com poder e majestade em Sua Primeira vinda, mas peçamos perdão por passarmos tantos anos, até o presente dia, velando os olhos diante da fulgurante luz da verdade revelada.
Padre Ivan Chudzik