Sermão do II Domingo do Advento

 

Sermo in II dominica Adventus
Bethlehem a Brasilia, 9 decembris A.D. 2018

Não entramos no Advento para sermos uma caniça agitada pelo vento

No domingo anterior tratamos de que o Advento é o Tempo para “se despertar do sono”, como disse o apóstolo (cf. Rom. XIII, 11), e portanto devemos vivê-lo como um retiro, pregado pela própria Igreja através da Liturgia. Assim iremos meditar as leituras, antífonas e orações da Missa deste domingo; mas antes, convém nos perguntarmos como vivemos a semana que passou? Procurando fugir da concupiscência dos olhos, isto é, da curiosidade do mundo, tão presente no uso do celular, especialmente nas redes sociais, ou deixando-nos levar por esta enxurrada de imagens e vídeos que não trazem nenhuma ou quase nenhuma vantagem ou interesse para a vida pessoal, familiar, profissional ou espiritual, porque se trata de vã curiosidade, frequentemente consultada em detrimento dos deveres de estado e às custas do sacrifício do sono à noite? Se queremos que este Natal seja mais do que uma data comemorativa, mas um dia, ou melhor, um tempo de graça, tudo depende da seriedade da nossa preparação.
Para tanto, consideremos o que a Igreja, Mãe e Mestra da verdade, tem a nos pregar neste segundo domingo do Advento. O primeiro sentido da Sagrada Escritura sendo sempre o sentido literal, os Santos Padres se disputaram sobre quais eram as intenções de São João Batista ao enviar dois dos seus discípulos para interrogar Nosso Senhor: teria o Precursor duvidado de que Jesus era o Messias? A opinião mais razoável nos parece a de São Jerônimo: São João Batista não duvidou, mas agiu de modo a que seus discípulos também cressem, uma vez que as questões lhes dariam ocasião para ver os milagres e virtudes do Cristo. Assim como Nosso Senhor perguntou em outra passagem “onde estava Lázaro” (cf. Jo. XI, 34), sem que isto representasse qualquer ignorância da parte do Verbo encarnado—como pretendem os teólogos modernos—, mas a fim de obrigar os assistentes a se dirigirem até a sepultura daquele que iria ressuscitar, do mesmo modo, São João não interroga Nosso Senhor a não ser para que seus discípulos se façam discípulos dEle, pois estando no cárcere, sabia que a sua missão estava para se findar em breve.
Não obstante, os Santos Padres também procuraram o sentido alegórico desta passagem, o que nos permite fazer algumas comparações muito oportunas para a nossa finalidade de viver o Advento como um tempo de retiro. Em primeiro lugar, Santo Hilário e Santo Agostinho vêem na prisão do Precursor do Messias uma imagem da lei moisaica enclausurada no sentido literal, por causa da cegueira dos judeus em admitirem que Nosso Senhor é o verdadeiro sentido de todo o Antigo Testamento. Todavia, é inevitável que o sentido literal seja superado pela Pessoa de Nosso Senhor, de modo que os discípulos de São João enviados até o Cristo representam a lei que se obriga a ir contemplar o Evangelho, deixando-se vencer pelas palavras e pelas obras do Salvador. Santo Ambrósio, por sua vez, nota que são dois os discípulos que irão interrogar o Cristo, talvez representando que tanto os judeus quanto os pagãos devem renunciar à prisão de práticas caducas ou mentirosas para abraçarem a perfeição e a verdade do Evangelho.
E uma vez que Nosso Senhor é interrogado, Ele lhes responde: “Ide e contai a João o que ouvistes e o que vistes” (Mt. XI, 4), ou seja, os discípulos enviados não deixam de representar também os dois sentidos mais conexos ao conhecimento intelectual, a saber, a audição e a visão. Sem dúvida, eles foram enviados para ouvirem a doutrina e verem os milagres, e em seguida retornarem até São João no cárcere. Assim, devemos nos interrogar de quem ou do quê o Precursor é imagem, na medida em que interpretamos os seus discípulos como figura dos sentidos. São João no cárcere pode ser perfeitamente imagem da inteligência que foi um dia iluminada pela Fé, mas cuja Fé está morta pela ausência da prática cristã, isto é, da graça santificante e das obras realizadas sob o regime da caridade. São João era a “voz que clamava no deserto” (cf. Mc. I, 3), aquele que dava testemunho da luz, “[…] a fim de que todos cressem por meio dele” (cf. Jo. I, 7), como ouvimos repetidas vezes no último Evangelho da Missa, de modo que a prisão de São João também representa o cessar das boas obras e, consequentemente, a perda da graça quando uma alma se deixa aprisionar pelas paixões, da mesma maneira que a pregação do Precursor esteve interrompida no cárcere.
E o que restaria a uma alma aprisionada pelas paixões? Certamente o dever de agir contra, procurando se pôr novamente na graça de Deus e combater os vícios pela prática das virtudes. Não obstante, São João enviando os seus discípulos para ouvirem e verem o Cristo não deixa de ser imagem de uma alma presa pelas paixões que, ao invés de tomar a resolução de sair deste estado, por uma decisão firme da vontade, prefere continuar no cárcere mas sem abandonar a leitura e o estudo da doutrina, conciliando inutilmente o pecado habitual ao estudo. Eis porque o Evangelho do segundo domingo do Advento corrobora o que disse São Paulo na epístola do domingo anterior: “Já é hora de despertardes do sono.” (Rom. XIII, 11), e o quanto é cômodo preferir o sono da tibieza ou o cárcere das paixões conciliado com um falso zelo pela casa de Deus, pelo qual não se faz mais por Nosso Senhor do que conhecê-Lo, sem procurar viver a doutrina pelas boas obras praticadas na graça! Com efeito, se não queremos viver na graça de Deus, pouco importa a curiosidade com que estudamos e a quantidade de conteúdos católicos que frequentamos: este conhecimento, ao invés de colaborar com a nossa santificação se torna causa de nossa condenação: a quem muito foi dado, muito lhe será cobrado, como bem sabemos do Evangelho (cf. Lc. XII, 47-48).
Donde a epístola da Missa dizer: “[…] tudo quanto outrora foi escrito, foi escrito para a nossa instrução, a fim de que, pela perseverança e pela consolação que dão as Escrituras, tenhamos esperança.” (Rom. XV, 4) O fruto do conhecimento da doutrina da Igreja é o progresso na vida espiritual; mas se conhecemos e não praticamos, antes de isso se reverter em nossa condenação produz desde já o orgulho, de quem se julga superior aos outros por “conhecer o que é certo”, quando, na verdade, é mais culpado do que aquele que peca por ignorância.
Nosso Senhor quer neste Advento “[…] tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão aqueles que vivem nas trevas”, como diz o profeta Isaías (XLII, 7). Para tanto, se no domingo anterior concluímos que ninguém entra num retiro para se entregar ao pecado, mas para vencê-lo, antes de convertermos os outros pela difusão de conteúdos católicos, pelas réplicas ou pelos debates apologéticos, devemos pedir a graça da nossa própria conversão, como ouviremos na antífona do Ofertório, versículo este presente nas orações ao pé do altar: Deus tu conversus vivificabis nos, et plebs tua lætabitur in te, isto é “a tua conversão, Senhor, nos dará a vida, e o teu povo se alegrará em ti” (Sl. LXXXIV, 7). Enquanto Nosso Senhor não for a vida da nossa alma, certamente Ele não será a alma da nosso apostolado. E quando alguém lê e não reza, estuda e não se confessa, participa de debates mas não se importa de não comungar, frequenta e compartilha conteúdos católicos porém em detrimento aos deveres de estado, o conhecimento da Religião se lhe torna paradoxalmente uma fonte de vã curiosidade, ao invés de ser uma fonte de alegria espiritual. Com efeito, de que adianta estudar a Religião mas procurar alegrias nos vícios ainda não extirpados? A inteligência deve conhecer a verdade e se alegrar com a prática deste conhecimento; é da própria Fé que nasce a alegria do católico, como afirma o apóstolo na epístola da Missa: “O Deus da esperança vos en¬cha de toda a alegria e de toda a paz na vossa fé […]” (Rom. XV, 13), assim como o Intróito, no qual se diz que a voz do Senhor será ouvida na alegria do coração (cf. Is. XXX, 29), o versículo do Aleluia, que manifesta a alegria de se frequentar a casa de Deus (cf. Sl. CXXI, 1) ou então a antífona da Comunhão, que exorta Jerusalém a contemplar a alegria que lhe advém do próprio Deus (cf. Bar. IV, 36).
Mas para se vencer as falsas alegrias e consolações oriundas da desordem das paixões e se recuperar a alegria na prática da Religião, devemos ouvir a segunda parte do Evangelho. Após os discípulos de São João terem partido, perguntou o Salvador à multidão: “Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Que fostes ver, então? Um homem vestido com roupas luxuosas? Mas os que estão revestidos de tais roupas vivem nos palácios dos reis.” (Mt. XI, 7-8) Cristo elogia no Precursor a sua firmeza de vontade, sem a qual não poderia exercer a sua missão de profeta. Enquanto nos entregarmos aos caprichos do amor próprio e aos desvarios das paixões, não faremos do Advento um retiro e não estaremos preparados para a graça do Natal. Hoje devemos aprender de São João Batista a firmeza de vontade, e esta é a graça que pede a Coleta da Missa, a saber, que Deus Nosso Senhor mova nosso coração à preparação da vinda do Seu Filho, a fim de poder servi-Lo com a mente purificada, o que significa que a prática deve se seguir ao conhecimento, assim como o conhecimento só deve ser procurado à medida em que se faz necessário à prática.
Dito isso, tomemos uma resolução: assim como no domingo anterior concluímos a necessidade de limitar o acesso ao mundo virtual pelo celular, a partir de hoje evitaremos ler ou escrever em debates inúteis, que não nos edificam e não convertem ninguém. Deixaremos de entreter a inteligência com vaidades para substituirmos este tempo perdido fortalecendo a vontade pela oração, especialmente procurando uma fidelidade maior à meditação matutina e à recitação do terço do Rosário. Seria também um presente generoso ao Menino Jesus se alguém decidisse fechar a conta em uma rede social da qual não precisa para nada de verdadeiramente útil. Neste Advento, a figura de São João Batista deve representar vivamente para nós que o Reino dos Céus pertence aos violentos (cf. Mt. XI, 12).

Padre Ivan Chudzik.

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