
Tendo em vista a preparação imediata à Festa de Pentecostes, propomos à reflexão dos nossos leitores e fiéis ligados à Capelania Pessoal do Instituto Bom Pastor um texto de autoria do Bem-Aventurado Cardeal Shuster, então Arcebispo de Milão, em que explica a cerimônia da Vigília de Pentecostes, sua história, aspectos litúrgicos e o motivo pelo qual a Tradição da Igreja também reservou este dia à administração do Sacramento do Batismo, tal como acontecerá na capela do Colégio Santo Antônio, no próximo dia 19 de maio do presente ano. Desejamos a todos os leitores uma boa leitura e bons frutos na participação ativa na Santa Liturgia Romana.
Cardeal Alfredo Ildefonso Schuster (1880-1954)
Estação na Basílica do Latrão.
Embora o sacramento do Batismo seja bastante distinto do Sacramento da Confirmação, este último recebe o nome, contudo, porquanto a descida do Espírito Santo à alma do fiel completa o trabalho de sua regeneração sobrenatural. Por meio do caráter sacramental, o neófito recebe uma semelhança mais perfeita com Jesus Cristo, que imprime o último selo ou ratificação à sua união com o divino Redentor. A palavra confirmatio também foi usada na Espanha para indicar a oração invocativa do Espírito Santo durante a Missa: Confirmatio Sacramenti; também a analogia existente entre a Epiclese – que, na Missa, suplica ao Paráclito a plenitude de seus dons sobre aqueles que se aproximam da Santa Comunhão – e da Confirmação – que os antigos administravam imediatamente após o batismo – ilumina muito bem o profundo significado teológico que está oculto sob este termo de Confirmação dado ao segundo sacramento.
A ligação entre os dois sacramentos explica porque as antigas liturgias, a romana em particular, tinham, desde os tempos de Tertuliano, reservado à sua solene administração as vigílias noturnas de Páscoa e Pentecostes.
Na antiguidade, o Rito sagrado ocorria à noite no Latrão, tudo como durante a vigília pascal; no século XII, quando a cerimônia já estava prevista para a tarde de sábado, o Papa se dirigia à Basílica de São Pedro, ao pôr do sol, para celebrar as vésperas e as Matinas solenes.
Em missas privadas, as leituras, a ladainha, entre outros, são omitidas, e o introito é recitado como na quarta-feira depois do quarto domingo da Quaresma, durante os grandes escrutínios batismais. O texto é tirado do profeta Ezequiel: o batismo cristão é claramente anunciado, assim como o derramamento do Espírito Santo sobre os crentes. Literalmente, a profecia olha para o futuro destino de Israel, destinado também a entrar no Reino messiânico: intraverit ubi, Gentium plenitude, tunc Israel salvus fiet (cf. Rom. 11, 25-26); mas também pode aplicar-se a todas as almas crentes, isto é, àquelas que o apóstolo, para distingui-las de Israel segundo a carne, chama Israel Dei (Israel de Deus).
Sendo o derramamento do Espírito Santo o ato supremo do amor de Deus para com os homens, o afastamento total e definitivo da alma com Deus é chamado pecado especialmente contra o Espírito Santo. É o Paráclito divino que determina em nós o desenvolvimento da nossa vida sobrenatural, segundo o modelo divino Jesus; cada vez, portanto, que paramos esse desenvolvimento, resistimos ao Espírito Santo; é nesse sentido que o apóstolo exortou os primeiros fiéis, para não contristar o Divino Espírito que habita na alma e que é Ele mesmo sua vida sobrenatural.
Vigília sagrada do Pentecostes.
O Rito da vigília de Pentecostes, seguindo o tipo romano primitivo, consistia, como na noite da Páscoa, em doze leituras da Sagrada Escritura. Estas eram feitas em grego e latim e alternadas com o canto dos hinos dos profetas e as orações coletas ditas pelo pontífice. São Gregório reduziu para seis o número de leituras, e este número foi respeitado mesmo quando, no século VIII, por seguir a influência do Sacramentário Gelasiano retornado a Roma durante o período franco, as lições da vigília pascal foram reconduzidas ao número simbólico original de doze.
A primeira leitura desta noite corresponde à terceira da vigília pascal e descreve o sacrifício de Abraão. Isaac ofereceu-se em holocausto, mas não perdeu a vida no altar, porque o Senhor estava satisfeito com a sua boa vontade e fez dele o pai de um povo inumerável (sic). Assim também Jesus não permaneceu vítima da morte no sepulcro, pois o Pai o traz de volta à vida gloriosa no terceiro dia e fez dele o primogênito dos remidos e chefe da imensa família dos eleitos.
As orações coletas que seguem as leituras são as mesmas do sacramentário gregoriano; mas a último está fora de lugar, pois era originalmente recitado depois do Salmo 42, que encerrava a vigília propriamente dita. A coleta que seguia, originalmente, à sexta lição de Ezequiel, pelo contrário, caiu em desuso, por causa da negligência dos copistas.
Após a primeira leitura, o sacerdote toma a palavra e recita a seguinte Coleta: “Senhor, que, no ato de fé enérgico praticado por Abraão, destes um exemplo de obediência ao gênero humano, concedei-nos também reprimir a malícia de nossa vontade e sempre cumprir exatamente vossos preceitos. Pelo nosso Senhor, (…)”.
A segunda leitura corresponde à quarta da vigília pascal. Seu significado nos é declarado pela bela Coleta seguinte: “Ó Deus que, através do esplendor da nova Aliança, revelastes o mistério escondido nos milagres realizados no início da criação, de modo que o Mar Vermelho prefigura as fontes batismais e que o povo libertado da servidão do Egito anuncia o santo mistério do povo cristão; Fazei que todas as nações participem pelo mérito da sua fé dos privilégios anteriormente concedidos a Israel, para serem regenerados pela vossa adoção, graças à recepção do vosso Divino Espírito. Pelo nosso Senhor, (…)”.
A terceira leitura corresponde a décima primeira da vigília pascal e serve de introdução à grande canção do Deuteronômio, que na sinagoga fazia parte do serviço do sábado. Então vem esta bela oração: “Ó Deus, glória dos vossos fiéis e vida dos justos, por meio de Moisés, vosso servo, também nos ensinastes pelo canto do cântico sagrado; realizai em todas as nações a obra de vossa misericórdia, concedendo felicidade, expelindo o medo; de modo que o castigo da punição se torne o remédio eterno. Pelo nosso Senhor, (…)”.
A quarta leitura, com seu cântico de Isaías, corresponde à oitava da vigília pascal. A oração seguinte ilumina brilhantemente o significado místico: “Ó Deus Eterno e Todo poderoso que, pelo vosso Filho unigênito, demonstrastes que sois Vós mesmo quem cultiva a vossa Igreja, cuidando clemente de qualquer ramo que dê fruto em vosso Cristo, que é a verdadeira videira, para que dê ainda mais fruto. Não deixeis que os espinhos dos pecados cubram vossos fiéis que, como uma vinha, transferistes do Egito graças à fonte do batismo, de modo que, santificados e temperados pelo vosso Espírito, eles deem frutos abundantes de boas obras. Pelo mesmo nosso Senhor, (…)”.
A quinta leitura corresponde à sexta da Páscoa. Esta Coleta segue-a: “Ó Deus, que através da boca dos profetas nos mandastes desprezar as coisas que passam e perseguir aqueles que permanecem, dai-nos a força para cumprir vossas prescrições tais como são conhecidas por nós”.
A sexta leitura corresponde à sétima da Vigília de Páscoa. Em seguida, segue esta Oração Coleta graciosa: “Senhor, Deus de força, que levantais o que caiu, e, depois de levantá-lo, o conservais; aumentai o número dos povos que serão regenerados no vosso santo nome, de modo que todos aqueles que devem ser purificados através do banho sagrado, sejam sempre direcionados para o Bem por vossas inspirações. Pelo nosso Senhor (…)”.
Essa oração, que tem um caráter batismal bem distinto, antigamente, precedia imediatamente a canção das ladainhas executadas “descendo” em procissão ao batistério. Dizemos “descendo”, já que esta é a terminologia da rubrica ainda mantida no Missal. Quanto à sua origem primeira, podemos supor, como o batistério de Latrão e do Vaticano eram mais ou menos ao mesmo nível que as duas basílicas, que essa “descida” foi originalmente relacionado a algum batistério de cemitério, o cemitério de Priscilla, por exemplo, onde encontramos vários batistério subterrâneos.
Na procissão ao batistério.

Ao descermos para a pia batismal, o salmo 41 é cantado, como na vigília pascal, “Como o cervo (…)”. A procissão descia até a fonte, realizava-se a sua bênção: “Fazei, Senhor Todo-Poderoso, que celebrando agora a solenidade na qual nos foi concedido o Espírito Santo em dom, inflamado por desejos celestes, acorramos à fonte da vida eterna. Pelo nosso Senhor”. A anáfora consecratória das águas batismais, as cerimônias, os ritos de iniciação cristã, todos se conformam à vigília pascal.
Santa Missa
Depois do batismo, volta-se à basílica para celebrar a missa de vigília. Ela é desprovida de Introito. O antigo hino matutinal: Gloria in excelsis segue imediatamente a ladainha, a qual termina hoje o Ofício da noite e é, portanto, reconduzido à sua função primitiva, que era precisamente de servir como canto de transição, entre a vigília e Divino sacrifício.
A oração tem um caráter batismal: “Que vossa Glória resplandeça sobre nós, ó Deus Todo-Poderoso, e que o Espírito Santo ilumine com o raio de vossa luz os corações daqueles que acabaram de ser regenerados à sua graça”. Esta luz é a fé, os carismas interiores do Espírito Santo, que nos dá o significado das coisas de Deus.
A seguir, a narrativa (Atos 14, 1-8) do batismo e confirmação administrada pelo Apóstolo em Éfeso a doze dos antigos discípulos de São João Batista.
Note-se, com os melhores exegetas, que o batismo administrado em nome de Jesus, como às vezes se expressa São Lucas nos Atos dos Apóstolos, não indica necessariamente que os Apóstolos – sob um privilégio pessoal, como Santo Tomás pensou – teriam administrado o sacramento da regeneração sem aplicar a fórmula trinitária que o Mestre Divino lhes ensinara, usando somente o nome de Jesus. Significa apenas que, em oposição ao batismo de João, o batismo com a fórmula trinitária é precisamente aquele instituído por Jesus e que nos incorpora espiritualmente a Ele.
A Santíssima Trindade é invocada no batismo para indicar que, graças a este sacramento, Deus Pai nos eleva à dignidade de seus filhos adotivos; Jesus nos une tão intimamente a Ele que nos tornamos os membros místicos de seu próprio Corpo; o Espírito Santo desce a nós e nos comunica a vida divina, como é apropriado aos filhos de Deus, aos irmãos de Jesus e aos membros do seu Corpo Místico. O culto perfeito da Santíssima Trindade é, portanto, a primeira consequência da iniciação cristã, e é por isso que, imediatamente após a oitava de Pentecostes, a sagrada liturgia celebra uma solene festa em honra da Santíssima Trindade, mistério central de toda Teologia cristã.
Segue o Salmo Aleluiático 106, como para a Vigília Pascal.
No Evangelho, não se usam as tochas, porque a cerimônia ocorria durante a noite, à luz da vela grande que iluminava o ambão (Eucharistia lucernaris), e o diácono havia abençoado e acendido ao entardecer do sábado anterior, quando o serviço de vigília começou. Este costume vem da Sinagoga e foi descrito no início deste volume. Não só os gregos, mas também na liturgia ambrosiana e na liturgia moçárabe de Toledo, ainda mantem-se o Ofício do Lucernário, que precede quotidianamente o canto das Vésperas.
O Evangelho (João 14, 15-21) diz respeito à vinda do Espírito Santo e seu ofício como Consolador e Mestre das almas no caminho da Verdade. Jesus chama o Paráclito, o Espírito da Verdade para indicar que ele está procedendo não apenas do Pai, mas também do Verbo, que é a Verdade do Pai e fala perfeitamente ao Pai, de modo que São Lucas, nos Atos dos Apóstolos, chama-o simplesmente o Espírito de Jesus. Sabemos que os gregos cismáticos negam essa processão de amor do Paráclito, [vindo] do Pai e do Filho, como de um único princípio, o que é contra o claro ensino do Evangelho – Ele vai receber o meu – e dos santos Padres, tanto do Oriente quanto do Ocidente. Por muitos séculos, a Igreja implementou todos os meios, concílios ecumênicos, trabalhos apologéticos, enviando legados, para trazer os gregos de volta à unidade católica, mas foi em vão. No entanto, quando o pecado contra o Espírito Santo atingiu sua plenitude, a justiça de Deus logo atingiu a Igreja e o Império Bizantinos. No dia de Pentecostes de 1453, o exército de Maomé II penetrou em Constantinopla e massacrou o Imperador, o Patriarca, o clero e uma grande multidão de pessoas que se apinhavam na igreja de Santa Sophia. Manchada por essa carnificina, esta esplêndida basílica justiniana, que por quase nove séculos testemunhou tantas perfídias contra a fé católica, foi convertida em uma mesquita turca.
Na anáfora, de acordo com o uso tradicional romano, a comemoração da festa daquele dia é inscrita, e é repetida ao longo de toda a oitava de Pentecostes. “Jesus, subindo ao mais alto dos céus e assentado à vossa direita, derramou neste dia sobre vossos filhos adotivos o Espírito Divino, que Ele lhes havia prometido. É por isso que exulta e se alegra a humanidade inteira espalhada sobre toda a face da Terra”.
A Terra está jubilosa, e ela tem um bom motivo. É de fato o Espírito Santo que transforma interiormente e eleva o cristão à dignidade dos filhos de Deus. Ele, o fiel, é tal, não por uma imputação jurídica e externa, como é a adoção entre os homens, mas porque Deus o faz participante de sua vida, de sua santidade, por meio de seu próprio Espírito Divino.
No Cânon Romano, no início dos dípticos, na oração Communicantes, faz-se também menção ao mistério de Pentecostes: “Celebrando o dia mais sagrado de Pentecostes, quando o Espírito Santo apareceu sobre os Apóstolos na forma de inúmeras línguas de fogo (…)”.
Na oração sacerdotal, que recomenda a Deus aqueles que apresentam as ofertas e termina a primeira parte dos dípticos – prius ergo oblationes commendandæ sunt escreveu o Papa Inocêncio I, na famosa carta a Decentius Gubbio – fazemos memória dos neófitos admitidos nessa noite ao Batismo e Confirmação, e que deverão, consequentemente, participar na Missa, pela primeira vez, da Santa Eucaristia: “Nós oferecemos esta oblação do nosso sacerdócio em nome do vosso povo santo, e particularmente daqueles que Vós dignastes a regenerar na água batismal e no Espírito Santo, concedendo-lhes perdão por todos os seus pecados (…)”.
A Antífona do Ofertório é tirado do Salmo 103: “Vós enviareis o vosso Espírito e eles serão chamados à existência. Vós, então, renovareis a face da Terra. Glória ao Senhor pelos séculos dos séculos”.
Não menos do que a Redenção, a Criação é um ato de amor da parte de Deus e, nesse sentido, ela é atribuída ao Espírito Santo, o qual Gênesis mostra pairando sobre as águas caóticas. Foi Deus quem, em seu amor, fertilizou este elemento primordial e extraiu dele as várias espécies de criaturas. No Novo Testamento, a vinda do Espírito Santo deu uma alma ao corpo da Igreja, sendo assim capaz de iniciar sua missão de continuar aquela de Jesus.

Na Oração sobre as oblatas (Secreta), pedimos ao Senhor para aceitá-las e, pelos méritos do sacrifício, pedimos-lhe que purifique com o fogo do Paráclito o nosso coração de todas as contaminações do vício. O Paráclito é amor e no fogo do amor tudo é destruído. Também Jesus disse sobre Maria Madalena: “Como ela amou tanto, tanto lhe é perdoado”.
A antífona da Comunhão está muito bem adaptada à circunstância. O grito de Jesus no último dia da solenidade dos tabernáculos, enquanto os sacerdotes iam tirar água da fonte de Siloé, é repetido nesta última festa do ciclo da Páscoa. A água da graça, da qual Jesus fala aqui, simboliza o Espírito Santo, e mais particularmente as ondas batismais fertilizadas por ele. Esta é a razão pela qual a Igreja Latina administra solenemente o batismo na Vigília de Pentecostes.
Na oração após a Comunhão, pedimos ao Senhor que o Seu Espírito purifique as nossas manchas pelo ardor do amor, penitência e zelo ardente. Essas chamas, destinadas a destruir o vício e purificar a mente, não devem nos assustar. O Paráclito no-las torna doces, porque ao mesmo tempo nos dá o doce refrigério do orvalho de suas consolações e é esse orvalho interior que fertiliza as flores e os frutos da santidade.
Fonte: <<http://introibo.fr/Vigile-de-la-Pentecote-avant-1955 >>, acesso em 17 mai 2018.
Tradução: Paulo Lima.