Dieu seul! – só Deus – era o lema do rei São Luís de França (Luís IX). Esse também foi o nome de batismo dado ao segundo filho, mas o primeiro vivo, do casal João Batista Grignion e Joana Roberta de Chesnais, nascido em 31 de janeiro de 1673 e batizado Luís Maria Grignion.
A cidade de Luís Maria é Montfor-sur-Meu, que fica na região da Bretanha, próxima a Rennes. Montfort, ou a Montanha Forte, é um povoado medieval, antigamente chamado Montfort-la-Cane, por conta de uma antiga lenda associada ao local. A cidade fica na confluência dos rios Meu e Garin, próxima à floresta de Paimport, a floresta do Mago Merlin e das lendas do Rei Artur, da Távola Redonda e da busca do Santo Graal.
O sangue bretão que corria nas veias de São Luís não deve ser desprezado. Descendentes dos celtas, os bretões são conhecidos pelo amor à natureza, à terra, mas também pelo seu amor a Deus e, na época de Montfort, por serem muito católicos, mas também muito autênticos e obstinados. Para se convencer um bretão é preciso muito mais que palavras, ele precisa ter absoluta confiança que só advém do testemunho da própria vida de quem prega, mas uma vez convencidos, permanecem convictos até a morte. Interessante o dito: Se soubesse muito, gostaria de ter a fé do camponês bretão, e se soubesse tudo, gostaria de ter a fé da camponesa bretã.
A base humana de São Luís de Montfort consistia em uma personalidade igualmente autêntica, bretã, mas tendente à violência, aos modos exagerados. A vida de São Luís está cheia de episódios que demonstram isso, e muitos problemas lhe causou. Por isso a grande ascese da vida será o domar o caráter impetuoso para torná-lo doce como o de Maria e manso como o de Nosso Senhor. Os Grignion eram pessoas de extremos e o próprio São Luís reconhecerá que se não fosse a Graça divina teria sido o pior criminoso de seu tempo!
Luís Maria nasceu em uma família numerosa (18 filhos no total, com sete mortos!) e, como era costume na época entre a burguesia, foi dado a uma ama de leite logo após o nascimento, chamada Mãe Andréia, esposa de um dos camponeses que viviam em um imóvel de propriedade do pai de São Luís, uma granja cercada chamada La Bachelleraye. Após esse período, volta para a família que acabava de sair de Montfort para uma vila próxima chamada Iffendic, em 1675. Em Iffendic haviam três imóveis reunidos numa mesma propriedade chamada de Bois Marquet.
São Luís passou a infância em uma família de atmosfera profundamente católica. Apesar de muitos biógrafos afirmarem que o senhor João Batista Grignion era um homem iracundo e de muito mau humor, no entanto, era um pai amoroso e muito trabalhador. Continuou seu trabalho como Notário (uma espécie de Advogado) mesmo quando suas rendas aumentaram com a produção das granjas, pois havia pelo menos onze motivos em casa que o obrigavam a nunca esmorecer. Não deve ter sido fácil para ele, um brilhante advogado ter que abandonar o trabalho de sua vida na cidade para se dedicar ao extenuante trabalho nos campos e granjas para apenas manter a numerosa família que a generosidade dos pais oferecia a Deus.
Já a mãe, Joana de Chesnais, era de uma família de caráter tranquilo e religioso. Possuía três irmãos padres e, entre seus próprios filhos, haveram três sacerdotes e duas monjas!
Em 1684, sai Luís Maria para estudar no Colégio São Tomás Becket, na cidade de Rennes, fundado pelos Jesuítas. Os Jesuítas exerceram profunda influência na formação espiritual de São Luís Maria de Montfort. Prova disso são os exercícios espirituais de preparação à Consagração Total de Jesus por Maria, bem ao estilo dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio.
Nesse colégio, iniciará sólidas amizades de perdurarão por toda a vida, como a com João Batista Blain e também com Claude Poulard des Places, futuro fundador dos Padres do Espírito Santo ou Espiritanos. Era considerado pelos seus professores piedoso, estudioso e um tanto tímido, exceto quando se tratava de ajudar aos demais, como os doentes e necessitados da vizinhança.
O amor de São Luís pelos jesuítas permaneceu ao longo de toda a sua vida e entre os filhos de Santo Inácio sempre se contaram seus colaboradores mais próximos.
Estando em Rennes, nas muitas visitas aos santuários da cidade, especialmente à Igreja do Santo Redentor, onde frequentemente se detinha ao ir para o colégio. Nesse santuário carmelita, convenceu-se da sua vocação ao sacerdócio.
Graças a uma benfeitora sua, Madame de Montigny, se fizeram os ajustes necessários para que aos 18 anos fosse estudar no famoso colégio de Paris, o Seminário de Saint Sulpice.
Em 1692, equipado pela sua família com um traje novo, algum dinheiro e bagagens, empreendeu a viagem ao seminário. Mas querendo depender somente da Providência, deu pouco depois seu dinheiro, roupas e tudo o mais ao primeiro mendigo que encontrou. Caminhou como Cristo para Paris.
Ao chegar em Paris não conseguiu o necessário para entrar no Seminário Maior de Saint Sulpice, sendo então admitido na comunidade dos seminaristas pobres, dirigida pelo padre Claude de La Palmondiére. Dois anos depois, o padre Palmondiére faleceu e a casa para os seminaristas pobres fechou. São Luís e todos dos demais seminaristas ficam com o futuro incerto, mas Luís Maria jamais deixou de confiar na Providência, como podemos ver de uma carta escrita na época a um tio sacerdote: “Aconteça o que acontecer, não me preocupo, tenho um Pai no céu que nunca me abandona!”.
Completamente sem recursos, Luís Maria se mudou para uma casa disposta a abrigar seminaristas completamente sem condições: o Seminário Menor de São Sulpício. Aí completou sua aprendizagem teológica para a pregação. Os professores consideravam as atitudes desse fervoroso estudante como extraordinárias. Um converso do calvinismo, o Pe. Baüyn lhe estimulou para que se dedicasse ao estudo da mística profunda do fundador dos Sulpicianos, o Pe. Olier.
A escola francesa de espiritualidade possui a ênfase na encarnação do Verbo Divino no ventre de Maria com sua profunda devoção à Mãe de Jesus. Regularmente passava os sábados em peregrinação a Catedral de Notre Dame de Paris. Todos os anos dois seminaristas de São Sulpício eram escolhidos para a peregrinação a Chartres, onde se encontra a famosa Catedral que contém a túnica de Nossa Senhora.
Muitas vicissitudes ainda aconteceram até que Luís Maria fosse ordenado sacerdote em 05 de julho de 1700. Celebrou sua primeira missa na capela dedicada à Nossa Senhora situada na igreja paroquial de São Sulpício. E agora? O que seria de sua vida como sacerdote?
Seu primeiro desejo era converter-se em missionário dos pobres. Os Sulpicianos encontraram um lugar propício na comunidade para sacerdotes do Padre René Lévèque na cidade de Nantes. Mas sua estadia se converteu em um grande fracasso e a permanência na comunidade se tornou impossível, todavia, não ousa abandonar a comunidade, apesar do teor das cartas do período trocadas com seu antigo reitor do seminário, e agora Diretor Espiritual, Pe. Lechassier.
Em abril de 1701, interrompe sua estadia na comunidade para empreender viagem até a Abadia de Fontevrault, a fim de celebrar a entrada de sua irmã Silvia na vida religiosa. O havia convidado a antiga amante de Luís XIV e agora grande penitente, a Senhora de Montespan, irmã da abadessa. Pediu ela a São Luís Maria que fosse a Poitiers oferecer seus serviços ao primeiro capelão de seus filhos, que agora era bispo da Diocese.
Chegou ao hospital na última semana de outubro e foi logo para a capela ficar uns momentos em oração. Os momentos se tornaram quatro horas. Os pobres ficaram tão impressionados com a sua postura e seu aspecto miserável que o tomaram por mendigo e fizeram-lhe uma coleta de esmolas. Além disso, quando souberam que era padre, pediram eles mesmos ao Conselho Diretor do Hospital para que fosse seu capelão.
O trabalho era duro no hospital, mas não o suficiente para satisfazer sua sede de almas. Atendia regularmente a confissões numa igreja próxima e aos poucos sua fama de bom confessor foi se espalhando de tal forma que multidões vinham de todos os lados para confessar-se com ele ou buscar direção espiritual. Dentre as pessoas que iam a igreja, atendeu uma jovem chamada Maria Luísa Trichet, que se converteu em sua primeira seguidora e cofundadora da comunidade de irmãs sem claustros dedicada a servir aos pobres nas escolas e hospitais, as Filhas da Sabedoria. O fervor e caridade despertaram o ódio e inveja no hospital e a situação novamente se tornou insustentável. São Luís teve novamente que se retirar.
Desorientado, buscou uma acolhida e palavra amiga no antigo reitor, o Pe. Lechassier, em Paris. Mas ninguém o acolheu.
Conseguiu ser acolhido no Hospital Geral de Paris, e começou aí seu ardente trabalho em favor dos pobres e moribundos, porém novamente o seu zelo lhe atraiu muitas inimizades e intrigas. Foi forçado a sair.
Despedido, arrumou refúgio em um quarto escuro, úmido e frio de um albergue para pobres. Seu quarto ficava embaixo das escadas. Comia o que conseguia por esmolas. Era considerado por todos um fracassado.
Nessa situação de completo abandono, escreveu sua obra prima da vida espiritual: O amor da Sabedoria Eterna. “Quando possuirei esta amorosa e misteriosa sabedoria? Quando viverá em mim a Sabedoria? Quando estarei suficientemente preparado para servir de morada à Sabedoria?”. Em outro trecho: “A Sabedoria é a Cruz. E a Cruz é a Sabedoria”.
Essa constante dificuldade em seu próprio país lhe fez surgir a dúvida se Deus não o queria nas missões estrangeiras. Já que nem seu antigo diretor espiritual quer recebe-lo, decide empreender viagem até o coração da cristandade, em peregrinação, para pedir orientação ao próprio Santo Padre, o Papa.
Na primavera de 1706, encaminhou-se a Roma, a partir do noroeste da França. Apesar da guerra que assolava o norte da Itália, na qual a França estava diretamente envolvida, consegue avançar na sua peregrinação. No meio do caminho, um desvio para visitar a Santa Casa em Loreto. Nada mais natural para a espiritualidade montfortina.
Quando a Cúpula de São Pedro apareceu no horizonte, o peregrino tirou suas sandálias e fez o restante do caminho descalço ate a tumba de São Pedro. Desfrutou da hospitalidade dos padres teatinos, aonde conheceu alguém que era muito próximo ao Santo Padre e preparou o caminho para ser recebido por Sua Santidade, o Papa Clemente IX.
O encontro aconteceu em 06 de julho de 1706. Montfort relata que quando viu o Santo Padre acreditou que estava vendo o próprio Cristo na figura de seu Vigário. Em latim, Montfort abriu seu coração ao Pastor Universal e falou do seu desejo de ir para terras de missão além mar. O Papa solucionou rapidamente o problema: aprovou o apostolado do Padre Montfort e o orientou para voltar a França e trabalhar no próprio país tendo em vista que sabia do péssimo estado da Igreja francesa. Além disso, concedeu ao Padre Montfort o título de Missionário Apostólico.
No retorno de Roma, um jovem chamado Mathurin o esperava no mosteiro em Poitiers, com o desejo não só de vê-lo mas de tornar-se de ali em diante companheiro fiel. Montfort aceitou com gosto a oferta e, para sacralizar o pacto, decidiram sair em peregrinação ao Monte Saint Michel, que separa a Bretanha da Normandia.
Chegaram em 29 de setembro, dia da festa do Arcanjo. Passaram os 15 dias seguintes em retiro. Oravam pedindo fortaleza para a missão que viria.
No retorno à Bretanha, Montfort fez uma breve visita a seus familiares em Rennes e de lá até Dinan e aí começa a pregar missões.
A partir de 1707 a narração de sua vida se confunde com a narração das missões populares das quais faz parte. Seus cânticos, procissões e representações dramáticas atraíam cidades inteiras. Sua pregação era envolvente, mas o que realmente atraía os corações a Cristo eram suas maneiras e santidade.
Entre setembro de 1707 e maio de 1708, estiveram Montfort, Mathurin e mais alguns irmãos na pacífica hermida de São Lourenço, próxima a seu lugar de nascimento numa experiência de vida comunitária.
Em meados de 1708, deixou o território natal e foi para Nantes. A campanha missionária de Montfort o guiou a muitas paróquias da diocese. Aonde quer que tenha ido pregar, sempre houveram relatos de conversões e curas milagrosas.
Houve vários atentados contra sua vida, mas o pior de tudo era a oposição das autoridades civis e principalmente eclesiásticas. Um exemplo clássico é o fracasso de Pontchateau.
São Luís plantou cruzes em todos os lugares por onde passou mas nada comparado ao conjunto que queria erigir em Pontchateau, numa área chamada terra da Magalena, projetou e reuniu o povo de todas as partes da região para construir um imenso calvário, que seria visto por uma área de 40 quilômetros ao redor. Em 14 de setembro de 1710, na Festa da Exaltação da Santa Cruz, o Bispo tinha combinado de vir pessoalmente e benzer o santuário, mas um dia antes da benção, o mesmo Bispo enviou uma nota dizendo que não apenas deixaria de vir mas que o calvário não podia ser benzido. Como milhares de pessoas aguardavam a solene benção do calvário, Montfort caminhou toda a noite para discutir o assunto com o Bispo em Nantes. Chegou na Cúria às 6 horas da manhã. São Luís Maria encontrou não só uma obstinada resistência do Bispo, mas também a ordem expressa do Rei que o calvário deveria ser demolido. Os inimigos de Montfort enganaram o rei fazendo-o crer que o calvário poderia de alguma maneira se constituir em uma fortaleza, no caso de invasão por um exército inglês. A reação humana normal é desistir. Mas a sua reação foi bem outra: “Não me pediu Deus que o construísse, agora me pede que o destrua, bendito seja o nome do Senhor.”. No século XIX, o Calvário de Pontchateau foi reconstruído pela população local que até hoje venera a memória do bom padre Montfort.
Em princípios da Quaresma de 1711, o missionário deixou Nantes para ir em missão às dioceses de La Rochelle e de Luzon. Os Bispos de ambos os lugares eram graduados no mesmo Seminário de São Sulpício, em Paris. Ambos também eram bem conhecidos pela sua oposição à heresia do jansenismo e proporcionaram um verdadeiro lugar para o apostolado de Montfort na Vandéia. A campanha missionária de São Luís Maria o levou a muitas paróquias na região nos cinco anos que pregou aí. Nos períodos de descanso entre as missões compõe em Saint-Eloi suas obras mestras: O Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem e Carta Circular aos Amigos da Cruz.
Montfort preparou uma missão para toda a cidade portuária de La Rochelle. Ela marcou um início de mudança de vida da cidade. Os que assistiram a missão celebraram o sacramento da reconciliação e, o mais importante de tudo, a Eucaristia se convertia cada vez mais no centro da vida paroquial. Seus sermões eram como o fogo do Espírito Santo que transformava os temerosos em valentes apóstolos. Pregava também uma maneira diferente de viver a chamada Santa Escravidão de Amor. Em uma grandiosa cerimônia, cada participante firmava uma cópia de seu contrato de aliança do Deus: a renovação de sua promessa batismal por meio de Maria. A missão concluiu-se com uma magnífica procissão da antiga Igreja Dominicana até a Igreja de Nossa Senhora. Era uma cerimônia criativa, simbólica, marcante, com toque de trombetas e estandartes. Toda a sociedade estava representada. Realmente, deveria causar uma impressão muito grande a quem dela participou.
Luís de Montfort deixou atrás de si confrarias de homens, de mulheres e soldados. Clínicas para os pobres. O costume do Rosário diário e escolas religiosas gratuitas dirigidas por homens e mulheres seculares.
Enquanto mais aproximava as pessoas de Deus, mais adversários atraía para si. Escapou milagrosamente de um assassinato: tendo retornado de uma missão com Mathurin, eis que para antes de prosseguir numa rua e não consegue avançar apesar do esforço. Intui o perigo e muda de caminho. Na rua escura o esperavam assassinos.
Em outra ocasião, calvinistas, que eram numerosos na cidade, envenaram-lhe a sopa. Consegue sobreviver mas seu coração sofreu graves consequências.
Esses contratempos não eram capazes jamais de extinguir o amor que São Luís tinha por levar Cristo aos homens. Preparou um novo programa de retiros e missões por toda a diocese, enquanto sua mente estava ocupada com a fundação de duas congregações: As Filhas da Sabedoria e os Missionários da Companhia de Maria. Mais tarde, mais uma se acrescentará: Os Irmãos de São Gabriel.
Em 01 de abril de 1716, São Luís Maria entrou no povoado de São Lourenço de Sevre para sua missão final. Dessa vez a missão coincidiu com a visita pastoral do Bispo de Luçon, Mons. De Champflour, que chegou quarta-feira da semana in Albis. Montfort de tão fraco que está não consegue fazer o discurso de boas-vindas, mas superando a fraqueza quis fazer um sermão a tarde, e sabendo já do fim próximo, pregou “sobre o amor e a doçura de Jesus”. Logo após é obrigado a lançar-se no catre porque não consegue ficar mais de pé. Diagnosticou-se um ataque de pleurisia aguda.
Nos dias seguintes, dá a impressão de melhorar mas, no dia 27 daquele mês, sentido já o fim próximo, chama o seu companheiro de missão, Pe. Mulot, juntamente com o pároco para ditar o testamento espiritual. No dia 28, entra em coma e falece pelas 20 horas.
São Luís Maria Grignion de Montfort viveu 43 anos, três meses e oito dias.
Que o exemplo de sua vida, traçado nesse rápido e muito imperfeito esboço, pois ainda haveria muito o que se acrescentar, sirva de modelo para nos tornar apóstolos de Jesus Cristo onde quer que estejamos e imitadores de Maria Santíssima ao dizermos, não apenas com nossas palavras mas sobretudo com nossa vida: “Eis aqui a/o escrava/o do Senhor, faça-se em mim conforme a Vossa Vontade”.