Para grande parte dos católicos talvez o maior combate de Quaresma consista em combater, isto é, em não desistir de empreender um verdadeiro combate espiritual durante este “tempo favorável”. Com efeito, diz São Leão Magno que a Quaresma nos foi dada para reparar a pureza de espírito, pois visto que a maior parte dos cristãos não mantém ao longo do ano a mesma disposição de espírito que se espera obter na festa da Páscoa, a Igreja institui o tempo quaresmal a fim de que as culpas cometidas nos outros tempos sejam por obras pias redimidas e por castos jejuns diminuídas. Não obstante, se a fraqueza da carne faz relaxar a observância e a solicitude nos outros tempos litúrgicos, é de se esperar que ela não relaxe também na Quaresma, induzindo-nos à preguiça, ao desânimo e à própria desistência. Este é um dos motivos, ao ver dos Santos Padres, pelos quais o Cristo quis jejuar e ser tentado: para nos dar o exemplo de como vencer e nos merecer as graças necessárias ao combate espiritual.
Todavia, se, por um lado, a Quaresma frequentemente é passada entre quedas e reerguimentos, por outro lado não podemos nos permitir a mesma atitude pouco resoluta e combativa durante a Semana Santa. Com efeito, durante o Tríduo Sacro a Igreja reviverá o drama da nossa Redenção, cuja entrada solene se dá no domingo de Ramos. Em pouco tempo, os principais mistérios da Vida do Salvador passarão diante dos olhos dos fiéis, mas até que ponto penetrarão e impregnarão as suas vidas? Vê-se aí o quanto que é fundamental saber aproveitá-los, já que os Santos passaram não menos do que a vida meditando-os. E se levaram tanto tempo para meditar e lucrar as graças que decorrem de mistérios concentrados em tão poucos dias, o que dizer do católico que entra na Semana Santa sem nenhuma preparação, sem nenhuma atenção particular? Eis, portanto, o interesse deste artigo: ajudar os católicos a melhor aproveitarem as graças que a Liturgia renova durante a Semana Santa, graças que o Rito Romano expressa de modo admirável em cada um dos detalhes das suas ricas cerimônias.
I
Primeiramente, a Semana Santa — e especialmente o Tríduo Pascal — é, antes de tudo, um tempo de graça, não um tempo de férias! A secularização da sociedade induz mesmo os católicos a pensarem primeira e principalmente em si, no próprio descanso e lazer, submetendo os ofícios da Igreja a uma programação que visa guardar o máximo de tempo para si próprios, ou então — o que é ainda mais escandaloso — sacrificando os ofícios, não raro por motivos fúteis.
Os dias santos são aqueles em que a Igreja quer mais nos santificar. Quando um dia santo se aproxima, a primeira obrigação de um católico é pensar sobre como santificar aquele dia, muito mais do que “como aproveitá-lo”, pois que proveito se faz de um dia santo que não é santificado?
Nesse sentido, uma família católica deve evitar ou declinar de programações que impeçam a assistência aos ofícios. Certamente haverá outros dias mais apropriados, ao longo do ano, para certos divertimentos ou passeios. O que já é escandaloso para certos dias santos (como um Natal sem Missa ou um Corpus Christi sem procissão) o é ainda mais no Tríduo Sacro, quando a Igreja se reveste de um profundo e comovente luto, durante o qual não cabem divertimentos e passeios. Enquanto Nosso Senhor renova na Liturgia o mistério da Sua Paixão e Morte, os Seus filhos se entregam às vaidades do mundo. Não culpemos os pagãos pela Fé que nunca tiveram. Peçamos antes nós perdão pela Fé que não vivemos!
Isso implica também que nós devemos ser vigilantes para que os nossos familiares não nos induzam a programações que impediriam a assistência aos ofícios. Se há quem não vai à igreja na nossa família, da nossa parte façamos o possível para que nos deixem ir!
II
Mas para que a assistência aos ofícios seja deveras proveitosa, devemos entrar num verdadeiro recolhimento. Na Semana Santa, os católicos devem praticar aquilo que para os religiosos é uma realidade quotidiana: a fuga do mundo. Não é possível aproveitar a renovação do mistério da Paixão e Morte do Senhor se também queremos guardar nesses dias uma vã frequentação das criaturas. É preciso se resguardar das preocupações do mundo especialmente nesses dias, se queremos que a nossa inteligência considere, sob a luz da Fé, o amor imenso de Nosso Senhor por nós. Para tanto, os bons católicos terão especial vigilância em se abster de encontros, reuniões e saídas entre familiares e amigos, entretenimentos virtuais ou eletrônicos —filmes, séries, músicas, jogos, redes sociais, etc. —, assim como procurarão com zelo tudo aquilo que propicia a oração — silêncio, mortificações, leitura espiritual, etc. O amor de Nosso Senhor é exigente: Ele só pode entrar onde Lhe dão entrada. O Prefácio da Quaresma diz que o jejum “eleva a mente”. Não teremos os “corações ao alto” enquanto as paixões estiverem bem entretidas com criaturas. A mortificação dos nossos caprichos durante a Semana Santa é de suma importância para que a inteligência, com o auxílio da graça, possa conhecer melhor as delicadezas do amor de Nosso Senhor por nós em cada traço da Sua dolorosíssima e amaríssima Paixão.
III
Os ofícios da Semana Santa não são uma mera “representação” ou “memória” da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor. Na verdade, a Liturgia re-apresenta tais mistérios, isto é, os torna presentes, no sentido de que: 1) aplica aqui e agora as graças das quais eles foram instrumentos; 2) tais mistérios, aliás, não foram apenas instrumentos da Redenção de Nosso Senhor para nos comunicar a graça, mas também nô-la mereceram. Por isso, quando a Liturgia impetra as graças para a Igreja, não há como não rememorar a ação salvífica de Nosso Senhor da qual procedem, e da qual são a continuação na mesma Liturgia; 3) os ritos litúrgicos, imitando e participando da santidade e do culto do Salvador, tornam presente, a seu modo, os mistérios imitados e participados, dos quais são uma imagem viva; 4) os ritos litúrgicos, sendo um instrumento vivo da ação salvífica do Verbo encarnado, também nos põem em contato real com as disposições de ânimo de Nosso Senhor presentes em cada um dos Seus mistérios. Donde a Liturgia não ser um “teatro dramático”, que recorda ações passadas, mas uma re-apresentação eficaz dos mistérios do Salvador. Consequentemente, enquanto os jornais noticiam cerimônias, procissões e ofícios “emocionantes”, os católicos, por sua vez, devem se preocupar em bem assisti-los, porque o efeito que eles produzem é real, e não meramente moral: há graças comunicadas pelos ritos.
IV
Em cada dia do Tríduo, a decoração da igreja, a cor dos paramentos, a escolha dos textos e das melodias se sucedem com drásticas mudanças, o que facilmente induz um católico desapercebido a não procurar o nexo profundo que há entre os ritos, consequência do que há entre os próprios mistérios do Tríduo. Ora, o centro de todos os mistérios da Vida de Nosso Senhor é a Cruz, onde Ele manifesta sobremaneira a Sua caridade por nós; portanto, se há um nexo entre as cerimônias é a sua ordenação à Paixão de Nosso Senhor. Assim, progride no aproveitamento das cerimônias quem não passa de um dia para outro da Semana Santa — e especialmente do Tríduo — como que “de um filme para outro”, sem relação entre si. Os ofícios não são universos fechados; eles têm um centro, a Cruz, e a Cruz é a maior prova de amor que Nosso Senhor nos dá.
Ora, no domingo de Ramos e em cada dia do Tríduo, a Igreja fabrica um sacramental, isto é, põe algo de sensível ao nosso alcance: os ramos bentos, os óleos santos, o altar do sepulcro, o lava-pés, a adoração da cruz, a água batismal e o círio pascal. Ao invés de nos contentarmos de entrar numa fila que leva à posse de um ramo ou aos pés de um crucifixo apresentado para a adoração pública, ou — o que é pior — fazermos dos diversos ofícios um “cenário” diferente para nos fotografarmos durante os ofícios — quando o narcisismo e o desrespeito ao lugar santo se encontram —, devemos observar que os muitos sacramentais que a Igreja nos dá têm por centro um outro dom, o que Nosso Senhor Jesus Cristo faz da Sua Vida, do qual eles tiram o seu sentido e eficácia. Saibamos participar dos ofícios e receber os sacramentais como quem vai ao Calvário, mas não fiquemos tampouco como meros espectadores aos pés da Cruz, porque um tal dom de amor só pode ser adequadamente respondido com o dom da nossa própria personalidade.
Por Pe. Ivan Chudzik, IBP