O profeta Isaías (53, 3) chama Nosso Senhor de o “homem das dores”; Tomás de Kempis, no Imitação de Cristo, diz que “Nem Jesus Cristo, Senhor Nosso, esteve uma hora, em toda a sua vida, sem dor e sofrimento” (l. II, cap. 12, 6). A lei da Encarnação é, então, uma lei de sofrimento: Jesus não começou a sofrer a partir da Sua Paixão, pois ela apenas aumentou os sofrimentos que já Lhe acompanhavam desde o Seu nascimento em Belém, e que na cruz se tornaram quase que infinitos.
Ora, a lei que envolve Nosso Senhor deve consequentemente envolver todos os que se aproximam Dele, e na medida da santidade de cada um. Jesus, que sofreu para pagar com amor ao Pai Eterno por todos os pecados do mundo, não livrou o mundo do sofrimento, apenas nos deu a possibilidade de, sofrendo com Ele, por Ele, Nele e para Ele, sofrer com mérito, pois esse sofrimento é a nossa participação à Sua Paixão.
Quem mais então pode nos ajudar a sofrer unidos a Jesus crucificado senão Maria? E quem mais sofreu após Ele do que Sua Mãe? Com efeito, as dores de Maria foram imensas, as mais próximas das de Nosso Senhor. Santo Anselmo diz que “Toda a crueldade exercida nos corpos dos mártires é leve, ou antes, é um nada, se comparada à crueldade da paixão de Maria”. Nenhum mártir sofreu mais tempo do que Maria, que sofreu durante toda a sua vida. Enquanto os Santos tinham um corpo que precisava ser castigado pela penitência e pela mortificação, o puríssimo corpo de Maria parecia ter sido feito só para sofrer mais agudamente. Eles encontravam em Jesus uma deliciosa consolação para o seu martírio; ela era martirizada em sua alma e seu corpo justamente por olhar para o seu Filho e considerar todas as Suas dores.
Em segundo lugar, as dores de Maria foram imensas porque proporcionais à sua perfeição, grandeza e santidade. Mas que dor seria proporcional à dignidade de Mãe de Deus? E que sofrimentos estariam à altura da criatura mais santa depois de Nosso Senhor? Uma tal perfeição lhe dava ainda mais força para sofrer, e uma tamanha santidade não seria provada senão com muito sofrimento. Mais ainda: as dores de Maria também foram proporcionais às suas luzes, as quais se tornaram para ela uma verdadeira tortura, pois a consciência aguça a dor e a sensibilidade intensifica-lhe a violência. Bastava que seu espírito compreendesse algo novo sobre seu Filho, ou que correspondesse a um novo testemunho do Seu amor por ela, ou que a sua união com Ele se tornasse mais estreita que as suas dores também aumentavam, pois tanto mais se sofre quanto mais se ama.
As dores de Maria, sendo imensas, não poderiam ordinariamente ser suportadas pelas forças da natureza humana. E como era impossível para ela ter a sua razão turvada ou perder a paz e a tranquilidade de seu Coração tão estreitamente unido a Deus, somente um milagre da onipotência divina impediu que ela morresse de dor. Ela, que não tinha pecado, que era puríssima e santíssima, que merecera a graça da Maternidade divina, passou praticamente toda a sua vida sustentada pelo poder de Deus para não ser consumida de dor. Daí a conveniência destas palavras de Isaías: “Eis que a minha amargura tão amarga está em paz” (38, 17). Nas dores de Maria não há desespero, inquietação, impaciência ou ansiedade: seu longo, cruel e progressivo martírio deu-se na mais perfeita paz e conformidade com a vontade de Deus, como convém à Mãe do Redentor.
Mas o sofrimento convinha à Mãe do Redentor? Com efeito, a Paixão de Nosso Senhor bastava por si mesma: Jesus, sendo verdadeiramente Homem, representa na cruz toda a humanidade e, sendo verdadeiramente Deus, oferece, no sacrifício voluntário da Sua Vida, um culto de valor infinito ao Seu Pai. Os pecadores, por sua vez, sofrem para participar da Redenção de Jesus Cristo; já Maria, sendo imaculada e santíssima, não tinha nada para pagar ou sofrer. Por que então o Senhor lhe reservou o mais cruel dos martírios?
Porque a ama. A permissão para sofrer era a permissão para realizar o dom de si, o mais perfeito dos atos de amor. Mas como não há maior dom de si do que sofrer pela pessoa amada, Maria nunca amou mais o seu Filho do que se unindo íntima e integralmente a todos os seus sofrimentos.
Em segundo lugar, para aumentar os seus méritos, dando àquela que é Mãe de Deus a ocasião de entesourar ainda mais a sua coroa de glória no Céu, já que não há meio maior de se merecer do que sofrendo.
Em terceiro lugar, como a mais alta felicidade a qual podem aspirar as criaturas é a de contribuir à glória do Criador, das dores de Maria Deus recebeu uma glória maior do que de qualquer outra criatura ou de toda a Criação, só sendo superada pelos méritos infinitos da Paixão de Nosso Senhor. A compaixão de Maria na Paixão do seu Filho pagou a dívida de todos os santos, que se comprazem na adoração que ela ofereceu e que eles jamais poderiam igualar. No dizer tão acertado do Padre Frederick Faber: “Podemos pensar com menos confusão em nossa dívida para com a Paixão de Nosso Senhor quando consideramos a dor com a qual esta Mãe a honrou [por nós], dor que não se assemelha a nenhuma outra, a não ser àquela de seu Filho mesmo”. Por outro lado, se Maria adora a Jesus crucificado e corresponde aos ardores da Sua caridade como nenhum outro santo seria capaz de adorar e corresponder, tornamo-nos então devedores das dores de Maria, como o afirma Santo Alberto Magno: “Somos obrigados a Jesus pela Paixão que sofreu por nosso amor, mas o somos também a Maria pelo martírio que, na morte do Filho, quis sofrer espontaneamente pela nossa salvação”.
Se Nosso Senhor quis ir até às últimas consequências da Paixão, mesmo sem precisar, foi por amor, para manifestar mais perfeitamente o quanto Deus é bom, o quanto o pecado O ofende e o quanto a Sua misericórdia é infinita. Da mesma maneira, Ele não quis eleger Sua Mãe para ser a nossa Mãe, o refúgio dos pecadores e a consoladora dos aflitos sem que ela também trabalhasse e sofresse para alcançar esse título. As suas dores são uma consequência da sua Maternidade divina: ela é nossa Mãe por ter sido a Mãe do Verbo encarnado, mas foi ainda mais nossa Mãe depois que aceitou sofrer pelos seus filhos. Maria, que foi até as mais insondáveis profundezas da dor, sabe por experiência o que se passa no coração humano e de quais as consolações ele precisa nas suas diferentes tribulações e circunstâncias.
Mas Maria não apenas nos consola como também é nosso exemplo, o mais excelente após o de Jesus Cristo. A dor faz parte da vida humana e, apesar de ser um meio para se merecer e se unir a Deus mais perfeitamente, ela perturba e embaraça mais do que qualquer outra coisa a nossa relação com Ele. Afinal, a dor ataca a nossa confiança em Deus — sem a qual não pode haver verdadeira adoração — e nos conduz a uma espécie de mau humor ou insolência para com Deus. Dela costumam nascer ou se robustecer as tentações contra a Fé. Maria nos dá o exemplo de como devemos nos comportar diante da dor, pois sofrer com paciência e resignação é um dos meios mais elevados para se entregar sem reservas a vontade própria a Deus; e ninguém é mais feliz nesta vida do que aquele que cumpre em tudo a vontade de Deus.
Maria é, assim, uma revelação de Deus. Se a Sagrada Escritura é uma revelação escrita, Maria é, em certo sentido, uma revelação simbólica: Deus Se serve dela para tornar claro muitas coisas que de outra forma permaneceriam obscuras. Como aprendemos sobre os desígnios de Deus, como Ele quer nos dar a graça, o quanto Ele quer nos fazer santos e de que modo, o quanto o Seu amor é fecundo e inventivo e outras tantas coisas através de Maria! Então não podemos duvidar de que Maria é uma revelação completa sobre o mistério do sofrimento.
No entanto, Deus é a Felicidade, e nenhuma criatura viveu mais unida a Deus do que Maria. Do pecado, porém, vem a dor; e se os pecados alheios podem afligir o inocente, não podem, contudo, atingir a alegria permanente e profunda da sua união com Deus. A Santíssima Virgem sofreu; mas o excesso do seu sofrimento vinha do excesso do seu amor; e como o amor não pode existir sem a alegria, na alma de Maria o mais agudo sofrimento convivia com a mais profunda alegria. Quando o Filho Se encarnou, tornou-se capaz de sofrer; Nele, a alegria infinita estava misteriosamente unida a uma dor imensa. Ninguém participou tanto deste mistério da alegria e da dor do que Sua Mãe, pois a desordem que o pecado causou em nossa alma nos impede de aceitar a alegria com a dor.
A devoção às dores de Maria faz com que nos esqueçamos de nós mesmos para amar a Nosso Senhor sem medidas, e não apenas no estrito limite das nossas obrigações; produz um grande ódio ao pecado, causa de tão grande desolação ao seu puríssimo Coração; enche-nos de desejo pela conversão dos pecadores; dá-nos força e coragem na vida espiritual e exerce uma grande influência sobre o Coração de Jesus, pois aquela que sofreu imensamente ao pé da cruz tudo pode junto do Crucificado.
Pe. Ivan Chudzik