Assim como a flor precede o fruto e o prepara, assim a verdadeira penitência precede e prepara as Obras de Misericórdia. A Quaresma, que é o tempo de penitência que durará ainda ao longo de todo esse mês de março, também deve frutificar em Obras de Misericórdia.
E porquê? Esses quarenta dias de preparação, nós sabemos, nos levam em direção ao Calvário, diante de Cristo maltratado e morto pelos nossos pecados. A Igreja quer que durante esse período, conscientes do que nossas más obras foram causa, choremos os nossos pecados e façamos penitência. Ora, um arrependimento sincero e uma penitência verdadeira não podem existir desacompanhados do desejo de reparar de alguma forma o mal que foi feito por meio de obras boas.
Entretanto, como fazer boas obras para consolar Cristo, se ele no Céu já não sofre mais e nem precisa de nada do que possamos fazer para gozar da alegria infinita que Ele já goza? Para que não faltasse o fruto à flor que é nossa penitência, o próprio Cristo nos ensinou um meio de consolá-Lo enquanto profetizava o juízo final:
“Então o Rei dirá aos que estão à direita: – Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim.
Perguntar-lhe-ão os justos: – Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos? Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão e te fomos visitar? Responderá o Rei: – Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes.”
(São Mateus, 25)
Eis as Obras de Misericórdia! Elas são, então, todas as obras que fazemos movidos pela caridade para ajudar o próximo nas suas necessidades corporais e espirituais. Tradicionalmente, elas estão divididas entre 7 obras de misericórdia corporais (dar de comer aos que têm fome, dar de beber aos que têm sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, assistir aos enfermos, visitar os presos e enterrar os mortos) e 7 espirituais (dar bom conselho, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os aflitos, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo e rogar a Deus por vivos e defuntos).
Esta lista das Obras de Misericórdia não pretende ser exaustiva. Existem muitas outras formas de ajudar o próximo em suas necessidades que são também obras de misericórdia, se movidas pela Caridade (Amor a Deus). Por outro lado, essas mesmas obras, estejam elas ou não entre as catorze listadas, se forem feitas só para ajudar o próximo, sem que sejam movidas pelo Amor a Deus, não são obras de misericórdia e por isso de nada valem para a vida eterna.
As Obras de Misericórdia, como mostra o texto bíblico, são necessárias à nossa salvação, mas elas são tanto mais obrigatórias quanto mais aqueles que delas necessitam nos são próximos. Às vezes, elas se tornam inclusive parte do dever de estado, como no caso dos filhos que têm obrigação grave de assistir os pais idosos nas suas necessidades, ou no caso dos pais que têm que cuidar dos filhos crianças. Não somos, entretanto, obrigados a praticar cada uma delas na mesma frequência e nem mesmo a praticá-las todas. Conforme o tempo e o lugar em que vivemos, uma ou outra se torna mais viável ou necessária.
Entre elas também existe certa hierarquia: as obras de misericórdia corporais não só não devem ser separadas das espirituais, como também são menos importantes do que elas, por mais de uma razão:
– O homem se distingue dos animais naquilo que tem de mais elevado que é o espírito e por isso aquilo que concerne seu espírito tem mais valor para ele;
– Mais ainda, o que temos de material é passageiro e perderemos na nossa morte enquanto que, da nossa vida espiritual dependerá nosso destino eterno.
– Enfim, Jesus, que é nosso modelo em todas as coisas, praticou as obras de misericórdia corporais curando doentes e até saciando a fome de uma grande multidão por duas vezes, mas tanto essas pessoas saciadas tiveram fome de novo quanto os doentes curados morreram um dia. As principais obras de misericórdia que Ele operou e que tiveram um efeito que dura até hoje foram as espirituais, que são causa da nossa salvação.
Longe de nós esse pensamento próprio da teologia da libertação, onde as obras materiais são mais necessárias do que as espirituais. “Nada mais humanitário, social, político, ético e espiritual, diz Leonardo Boff, que saciar a fome dos pobres da Terra”. Mas o que Jesus nos ensinou foi: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder sua alma”?
Por fim, Obras de Misericórdia que praticamos, como em todas as nossas ações, é necessária a prudência, e isso mais nas espirituais que nas corporais, por precisarem elas de mais critério e discernimento. A título de exemplo: É triste ver quantas pessoas se perdem porque muitos a sua volta são omissos em corrigir os seus erros em nome da tolerância, mas também é contra produtivo e pode ser fruto da arrogância passar o seu tempo a corrigir o que os outros fazem nos mínimos detalhes, são dois exemplos opostos de falta de prudência para a mesma obra de misericórdia.
Que frutifique nessa Quaresma nossa penitência em Obras de Misericórdia, segundo o exemplo que nos deixou Nosso Senhor. Que tendo ajudado nosso próximo, movidos pela caridade, nós reparemos as ofensas cometidas contra Ele e cresçamos em santidade para ouvirmos um dia do Juiz Supremo: “Vinde benditos do meu Pai, possuí o Reino que está preparado para vós desde o princípio do mundo, porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber”.
Pe. José Luiz Zucchi