Assim como o sol rege o curso do dia, das estações e do ano, do mesmo modo, Jesus Cristo, “Sol de justiça” (Malaquias IV, 2), dá sentido ao ano litúrgico, o qual também não passa de um ciclo — no seus tempos (Advento, Natal, Epifania, etc.) e nos seus Santos — em que a Igreja não cessa de nos aplicar os merecimentos Daquele que é “Luz da luz”, o Verbo encarnado, e os daqueles que pelas suas virtudes heroicas se tornaram “luz do mundo”, os Santos. Por conseguinte, se o fim do ciclo do Natal é a conclusão de uma das fases da manifestação do Filho de Deus, o mistério que encerra este ciclo não deixa de estar a meio caminho da Paixão e Morte do Senhor, servindo-lhe de admirável introdução, antes que a Igreja cante, mas já com outras notas, a mesma “Luz de Cristo” no sábado santo. E que mistério da vida do Salvador seria esse, na encruzilhada de dois tempos litúrgicos? A apresentação de Nosso Senhor no templo.
Com efeito, no tempo do Advento, a Igreja está à espera do “esplendor da luz eterna”, a “eterna luz dos que creem”, isto é, o Cristo Salvador, “cuja glória será vista sobre Jerusalém”, e “cuja claridade resplandecerá sobre toda a terra”. Ele virá com poder, e “iluminará os olhos dos Seus servos”, assim como “o que se acha escondido nas trevas”, ou seja, o segredo dos corações, “pela graça da Sua visita”, tirando-nos do cárcere, onde estamos “sentados nas trevas e na sombra da morte” do pecado. E quando esta luz resplandecer, “a casa do Senhor estará repleta de glória”, “a iniquidade da terra será destruída”, “o Salvador do mundo reinará sobre nós”, e “o Seu reino não terá fim”. Vê-se que há uma progressão na luz, isto é, da vinda do Senhor, que é uma progressão da nossa santificação e salvação, desde Israel até os gentios, até que esta luz brilhe em todos os confins do mundo.
Mas quando a Igreja cantar que “apareceu a bondade e a humanidade do Salvador nosso Deus”, “reluziu para nós o dia da nossa redenção”, Aquele que é “Luz da luz” já “terá tomado a forma do nosso corpo ao nascer”, a fim salvar o homem, ao qual Se faz semelhante. Donde o Advento ser o tempo de preparação para as duas vindas de Nosso Senhor: a primeira, pela Encarnação, a segunda, no Juízo Final. Na primeira, o Verbo encarnado aparece “em meio ao silêncio da meia-noite”; na segunda, o silêncio dará lugar às trombetas, e a escuridão da noite cederá à luz da glória do Senhor, que “virá nas nuvens do céu com grande poder”.
Em outras palavras, Aquele que é “Luz da luz”, ao nascer, não foi conhecido por todos, e todos os que O conheceram viram a Sua luz no tempo determinado pela Providência, porque a manifestação gloriosa do Senhor está reservada para a segunda vinda; mas até que chegue este dia onde quer brilhar o “Sol de justiça”, Cristo Nosso Senhor, senão nas trevas do coração do homem? Eis a razão pela qual na meia-noite da Natividade luz e trevas conviveram, porque o Salvador, ao assumir a natureza humana, escondeu o fulgor da Sua Divindade sob os véus da Sua santa humanidade.
Assim, os primeiros a conhecerem a boa nova do nascimento do Salvador, após a Santíssima Virgem e São José, foram só os pastores, por pregação dos Anjos. O Messias Se manifestou a poucos, a Sua luz “brilhou entre as trevas”, porque esperava primeiramente a vinda daqueles que, conhecendo as Escrituras, saberiam onde encontrá-Lo. Mas foram os pastores, e não os sacerdotes judeus, que adoraram Nosso Senhor por primeiro e O anunciaram, dando testemunho do que viram. Os pastores, portanto, tiveram Fé, e a luz da Fé os conduziu até a “Luz da luz”, o Verbo encarnado na manjedoura, enquanto o mundo não O conheceu e os seus próprios concidadãos não O receberam.
Mas uma vez que Cristo foi adorado por estes simples pastores, logo quis estender a Sua luz aos gentios e para tanto escolheu ser visitado pelos Reis magos. Ora, essa progressão da manifestação de Cristo é também uma progressão da humanidade para a luz. No Natal, a “luz brilha entre as trevas”, Cristo é adorado por poucos; na Epifania, “a luz vem sobre Jerusalém”, isto é, a Igreja, “a glória do Senhor surgiu sobre ela” e as gentes passarão a caminhar sob seu o fulgor. Os Reis magos são as primícias dos gentios que deverão passar à Igreja de Cristo; estes também, como os pastores, aderiram à Luz de Cristo pela luz da Fé, seguindo o brilho da misteriosa estrela que os conduzira até Belém. Assim como Cristo não funda a Igreja em um só ato, mas paulatinamente, do mesmo modo, a participação da humanidade na Sua luz se dá aos poucos. A Epifania, tempo litúrgico subsequente ao Natal, anuncia a vocação universal da Igreja, que não quer excluir ninguém do seu grêmio. Não obstante, o Cristo já aparece como Esposo, ao qual a Igreja vem se unir. Em outras palavras, quando a Luz de Cristo fulge sobre a Igreja, a Liturgia celebra as suas bodas com o seu celeste Esposo. Donde este tempo ser o das manifestações do Salvador — a adoração dos magos, o Batismo e o milagre de Caná —, porque Nosso Senhor quer presentar a Sua Esposa e atrair os gentios à Fé.
E quando os magos visitaram “o Rei dos reis apontado pela estrela”, ofereceram-Lhe presentes cujo sentido espiritual é claro: o ouro honra a Realeza, o incenso a Divindade e a mirra a humanidade de Nosso Senhor. Com efeito, o Verbo divino é o “esplendor da Luz eterna”, mas pela Encarnação quer nos fazer partícipes da Sua luz. O dom que Ele nos faz participar não é algo exterior a Ele, senão a Sua própria Vida: “e a vida era a luz dos homens” (João 1, 4). Os magos souberam responder esse dom de amor do Verbo encarnado oferecendo dons correspondentes à dignidade do Filho de Deus, dons que representam o coração do homem, isto é, o dom de si que este deve fazer em resposta e reconhecimento à graça de se tornar filho adotivo de Deus. Não obstante, ao entrarem na casa, diz o Evangelho (Mateus 2, 11), “acharam o Menino com Maria, Sua Mãe”.
Algo semelhante ocorre na apresentação de Nosso Senhor no templo. Maria Santíssima, cumprindo a lei mosaica por humildade, apresenta o seu Primogênito, e assim oferece a Deus Pai uma oblação digníssima Dele, o Seu próprio Filho encarnado. Neste dia, o templo recebe o Verbo encarnado, o Cordeiro de Deus, das mãos de Maria, como os magos encontraram o Menino com Maria, Sua Mãe, e como na Igreja Jesus Cristo Se dá a cada um por meio de Maria, Medianeira de todas as graças. Eis porque este dia ser uma festa marial antes de ser cristológica: a Igreja e a Liturgia não separam Cristo da Sua Mãe.
Consequentemente, se no Natal a luz brilha entre as trevas, na Epifania, a luz brilha sobre a Igreja. Na Apresentação, por sua vez, a luz está nas mãos de todos os cristãos, como o Cristo foi posto nos braços de Simeão, por intermédio de Nossa Senhora. Além disso, se no Natal entra no mundo o Esposo da Igreja, na Epifania, o Esposo celebra as Suas bodas com a Esposa, na Apresentação, por sua vez, a Esposa enfeita o seu aposento nupcial e vai diante do Esposo. Donde a antífona da procissão da Candelária conter tanto o simbolismo da luz quanto o dos esponsais:
Adorna, ó Sião, o teu leito nupcial e recebe nele Jesus Cristo que é o teu Rei. Recebe Maria em teus braços, que ela é a porta do céu e traz consigo o Rei da glória, da nova luz. A Virgem aproxima-se trazendo ao colo o Filho que gerou antes do sol nascente e que Simeão, tomando-O nos braços, apontou aos povos como o Senhor da vida e da morte e o Salvador do mundo.
A Apresentação no templo encerra o ciclo do Natal, uma das fases da manifestação da Luz de Deus. E o que representa este mistério senão o “ofertório” da vida de Nosso Senhor? Uma vez que o Salvador quis Se submeter à lei de Moisés, Ele assume uma condição de “oferta”, de “vítima”, que se realizará plenamente no sacrifício do Calvário. Nisso está o motivo de este mistério estar a meio caminho da Paixão e Morte do Salvador. Donde também as alegrias da Natividade logo cederem às dores do gládio que a profecia de Simeão anuncia para Maria Santíssima.
A Igreja, querendo repetir o caminho de Nossa Senhora até Jerusalém para apresentar Seu Filho, abençoa velas neste dia litúrgico — que a piedade popular batizou de “Candelária” — e sai em procissão. A vela que os cristãos trazem em mãos não é apenas um poderoso sacramental, é também símbolo da vida divina que receberam no Batismo e que a Igreja não cessa de lhes comunicar. Assim como a vela ilumina ao se consumir, do mesmo modo só cresce em santidade aquele que reconhece que não se pode ganhar a Cristo sem morrer a si mesmo. Disse São João Batista: “Importa que Ele cresça e que eu diminua” (João 3, 30).
Pe. Ivan Chudzik